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Reflexão
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Extremismo e movimentos sociais em Moçambique
AN Original
2024-02-07
Por Boaventura Monjane

A ausência de movimentos sociais em uma sociedade pode criar um vácuo perigoso, propenso ao surgimento da extrema direita e, em casos extremos, à insurgência violenta. A vitalidade dos movimentos sociais está intrinsecamente ligada à saúde democrática de um país. Quanto mais democrático, mais vibrante é o cenário dos movimentos sociais, proporcionando um terreno fértil para o diálogo construtivo entre o Estado e a sociedade. A falta desse diálogo pode desencadear a ascensão de forças políticas extremistas, como evidenciado pelo surgimento dos Al-Shabaab em Cabo Delgado, no norte de Moçambique.

Iniciada em 2017, a insurgência violenta, categorizada como terrorismo, no norte de Moçambique perpetrou recentemente ataques em locais específicos em Chiúre. Esta escalada de violência obrigou centenas de pessoas a fugir para o sul da província de Cabo Delgado, em direção à província vizinha de Nampula, em resposta à intensificação dos ataques.

É crucial reconhecer que a emergência de grupos extremistas não é unicamente atribuível à ausência de movimentos sociais; contudo, a presença de movimentos sociais robustos teria exercido uma influência significativa na orientação das aspirações e engajamento da juventude, especialmente em regiões propensas a conflitos, como Cabo Delgado.

Além de fomentar o diálogo, os movimentos sociais também desempenham um papel crucial na prevenção da intensificação do aparato repressivo e da militarização da sociedade. O diálogo social, quando eficaz, atua como uma válvula de escape para as tensões acumuladas, evitando a escalada de conflitos para níveis mais violentos.

De forma paradoxal, o Estado em Moçambique procurou restringir o espaço cívico ao introduzir uma lei que regula as associações e organizações da sociedade civil, suspeitando que estas possam facilitar o terrorismo no país. Em resposta, a sociedade civil organizou-se para influenciar o conteúdo da lei, que acabou por ser aprovada com a inclusão de contribuições significativas provenientes da sociedade civil.

O fracasso das igrejas como pacificadoras da sociedade

Em Moçambique, a expectativa de que as igrejas desempenham um papel harmonizador na sociedade revelou-se ambígua. Embora inicialmente concebidas como espaços de pacificação e coesão social, as igrejas, em muitos casos, transformaram-se em arenas de despolitização e promessas de prosperidade individual. O crescimento do evangelismo e a proliferação de autoproclamados profetas contribuíram para a individualização da sociedade, minando a solidariedade coletiva.

A sociedade moçambicana enfrenta o desafio de consolidar o diálogo entre o Estado e a sociedade, uma tarefa que vai além do papel tradicional das igrejas. O crescimento da classe capitalista em um vácuo de movimentos sociais eficazes destaca a necessidade urgente de uma resposta articulada.

Neste contexto, destaca-se o papel potencialmente transformador do campesinato como um setor que ainda fornece esperança. Embora os movimentos sindicais enfrentam desafios de fragmentação e despolitização, a possibilidade de sua recuperação política não está descartada.

Projecto popular radical

Moçambique necessita de um projeto popular radical e de esquerda para enfrentar as crises sociais. Uma aliança entre forças minimamente organizadas, como professores, enfermeiros, sindicatos, estudantes e intelectuais progressistas, com o campesinato, pode ser a força motriz para desafiar o status quo. Os partidos políticos, por sua vez, mostraram-se incapazes de inspirar a sociedade, indicando o esgotamento do sistema partidário atual. Esta é a oportunidade para os movimentos sociais reivindicarem seu espaço, influência e poder, desempenhando um papel fundamental na refundação de um estado moçambicano que se mostra decadente até sua essência.

Nesse sentido, é crucial promover um diálogo aberto e inclusivo entre os diversos setores da sociedade, visando construir consensos e definir uma agenda comum para a transformação e progresso do país. Esta abordagem colaborativa pode potenciar a mobilização e a participação ativa dos cidadãos na definição de políticas públicas e na promoção de uma governança mais transparente e responsável. Ao mesmo tempo, é fundamental garantir que as vozes e as necessidades dos grupos mais marginalizados e vulneráveis sejam devidamente representadas e consideradas em todas as decisões e iniciativas de desenvolvimento.