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You Have Not Yet Been Defeated: 110 dias em greve de fome
AN Original
2022-07-20
Por Alaa Abd el-Fattah, Daniela Silvestre Jorge Ayoub

Este artigo faz parte de uma série de traduções que serão publicadas com o objetivo de gerar solidariedade com o egípcio-britânico programador, intelectual, escritor, revolucionário, marido, pai (entre muitos outros papéis), Alaa Abd el-Fattah, na sua luta de libertação sob a opressão violenta do regime vingativo do General Abdel Fattah el-Sisi.

Alaa tem estado preso repetidamente desde 2006. Em 2019 Alaa e o seu advogado foram condenados a 5 anos de prisão, acusados de "espalhar falsas notícias que comprometem a segurança nacional". Inspirado pelas greves de fome dos presos políticos palestinianos, 20 de Julho de 2022, marca 110 dias desde que Alaa entrou em greve de fome em protesto contra as medidas ilegais implementadas pelas forças de segurança durante o seu encarceramento. A Amnistia Internacional considera Alaa um prisioneiro de consciência.

Ao longo do seu encarceramento, amigos, família, e camaradas correram enormes riscos ao garantir que ele não fosse silenciado - entre transcrever de memória os seus testemunhos em tribunais e mensagens transmitidas através de celas prisionais, até editar e traduzir as suas palavras para inglês - muitas pessoas demonstraram imensa coragem para que pudéssemos refletir sobre as suas experiências e pensamentos. Estes esforços e riscos extraordinários levaram à publicação do seu livro: You Have Not Been Defeated (Ainda Não Foste Vencido). O título transmite uma mensagem explícita aos leitores de diferentes contextos políticos: independentemente das quedas que tenhamos sofrido, é nosso dever de recalibrar a nossa visão política e avançar com seriedade intelectual. #FreeAlaa


DISCURSO DE ABERTURA DE RIGHTSCON 2011

Alaa viajou para a Califórnia para dar uma palestra na conferência RightsCon em Silicon Valley, a qual faz em inglês. Durante a sua estadia, soube que tinha sido convocado pelo procurador militar.

Olá. Deixem-me apenas dedicar trinta segundos fora do tópico para falar sobre justiça extraordinária, que é o que eu vou enfrentar, Procuradores Militares. Obviamente, não há um processo justo. A população civil não deveria ter de lidar com isso. Peço-vos que encontrem formas de solidariedade com quem esteja a encarar a justiça extraordinária. Já tiveram a vossa parte com os detidos de Guantánamo aqui neste país. Portanto, quem se preocupa com os direitos humanos, sabe como é, e sabe porque é importante. Há cerca de 12.000 cidadãos no Egipto que se encontram em prisões militares. Alguns deles por participarem na revolução que os militares fingem ter protegido e defendido, outros por ofensas muito menores. Na sua maioria, foram detidos arbitrariamente perto de grandes eventos em que foram os militares que cometeram os crimes e não a população civil. Por isso, peço-vos que encontrem formas de se manterem solidários com qualquer pessoa que esteja a enfrentar uma justiça extraordinária. Obrigado.

[Aplauso]

Agora, em relação ao tema. Acho que estou aqui como ativista, como um soldado numa revolução para falar sobre como as empresas tecnológicas podem encontrar formas de manter e promover e proteger e respeitar os direitos humanos dos seus utilizadores. Ora este é um tema sobre o qual sou bastante cínico. As empresas não são realmente capazes de fazer nada disso. As corporações não são propriamente propensas a fazer nada disso. Os conflitos ... não é exatamente que haja um conflito de interesses. Penso que estamos todos aqui porque sabemos que é realmente possível fazer negócio sem infringir os direitos das pessoas e sem deixar entrar ferramentas que sejam utilizadas para infringir os direitos das pessoas. Mas as relações, a estrutura das relações entre o poder é tal que mesmo que seja possível, mesmo que não custe muito, mesmo que não vá afetar as margens de lucro, provavelmente não vai acontecer, mas também por vezes entra em conflito com a margem de lucro de formas muito engraçadas.

Portanto, da perspetiva de um ativista, algumas características muito normais podem ser bastante desagradáveis, podem ser bastante problemáticas. Políticas sobre nomes verdadeiros, limites de tarifas no Twitter, políticas sobre nomes verdadeiros no Facebook ou qualquer coisa do género, que na realidade é problemática. Se está a tentar mobilizar as pessoas da forma como as empresas de telecomunicações estão a tentar rentabilizar cada transação. Isso limita o que podemos fazer. Mas este é o modelo empresarial. Não espero que o Twitter ou o Facebook ou as empresas de telecomunicações mudem os seus modelos de negócio apenas para ativistas, isso não vai acontecer. Mas aqui está algo que pode acontecer:

Empresas... Se os governos estão a tentar aprovar legislação ou alterar regulamentação e isso vai afetar os seus lucros, então as empresas levantam-se, fazem barulho, tentam mudar as coisas. Mas se os mesmos governos estão a fazer algo sinistro que vai afetar os seres humanos, que vai afetar os seus utilizadores, não é provável que falem sobre isso. Assim, todos ouvimos falar do "kill switch", como o Egipto ficou completamente isolado da Internet durante alguns dias durante a primeira revolta da revolução. Vodafone e Co., a sua defesa, a sua defesa constante, é que esta era a lei, que não havia nada que eles pudessem fazer. Mas eles sabiam dessa lei com dois anos de antecedência. E nunca fizeram barulho.

Nós, no Egipto, tínhamos formas de combater leis injustas. Poderíamos levar a questão ao Tribunal Constitucional, poderíamos fazer uma campanha contra a lei, poderia ter sido possível livrarmo-nos dessa lei antes da revolução se as empresas tivessem optado por expor efetivamente o facto de ela ter acontecido. Essa lei era quase secreta. Mas eles sabiam disso porque havia reuniões e foi estabelecido um processo com eles, para que pudessem descobrir como fazer um 'kill switch'. Havia testes realizados em pequenas cidades. Mas eles recusaram-se a opor-se. Não se manifestaram publicamente, e não se opuseram ao governo.

A razão pela qual eles não se opuseram, na minha opinião, é porque é uma conspiração. Não é uma conspiração em que se sentam numa sala escura e concordam em lixar-nos, mas é uma conspiração em que os interesses coincidem. Em que os interesses que não deveriam existir coincidem. O mercado é altamente centralizado, altamente monopolizado, e isso é feito para manter o privilégio que estas corporações têm. Em troca, estas empresas também estendem o privilégio ao governo e permitem-lhes um maior controlo. A conspiração não acontece porque as pessoas decidem. Apenas acontece porque os seus interesses coincidem desta forma.
Agora, a mesma empresa, a Vodafone, afirma que são impotentes contra o governo. São uma empresa pobre e indefesa que não consegue resistir a uma ordem - mas que é capaz de resistir a pagar impostos no Reino Unido.

Por isso, eles têm influência sobre o governo. Portanto, a primeira coisa que podem fazer: podem agir como qualquer cidadão normal, como qualquer organização que é feita de pessoas, e envolver-se com o governo normalmente. Se ouvir falar de planos, ou se estiver a receber ordens que não lhe agradam, desafie-os. Desafie-os legalmente. Não estou à espera que as empresas se tornem revolucionárias, mas podem fazer coisas. Podem levá-las a tribunal, podem resistir, podem pedir o devido processo.

Nem sequer temos a certeza que a Vodafone - claro, estou apenas a usá-los como exemplo, mas todas as empresas de telecomunicações - que receberam uma ordem própria. A lei existia, mas foi um momento de caos. Suspeitamos que apenas receberam uma chamada telefónica, e começaram a implementá-la. Provavelmente existe um processo, uma ordem escrita deveria ser emitida e etc. Se quisessem, poderiam ter interrompido esta operação. Eles não escolheram fazer isso. Portanto, isso é algo que é fácil de fazer. Mas não é provável que o façam de qualquer maneira, certo? Isso não vai acontecer. Vamos ser honestos.

O que precisa de acontecer é uma revolução. O que precisa de acontecer é uma mudança total na ordem das coisas, para que estejamos a fazer estes fantásticos produtos e estamos a fazer a nossa vida, mas não estamos a tentar monopolizar, e não estamos a tentar controlar a Internet, e não estamos a tentar controlar os nossos utilizadores, e não somos cúmplices com governos, não somos a Amazon que está a remover o WikiLeaks, e não somos a Vodafone que está feliz por cortar os seus impostos e cortar a comunicação entre pessoas, etc.

Também há outra coisa que podem fazer: ocupar algum lugar. Mas não é provável fazer isso porque não é provável que isso tenha sucesso, certo? É um pequeno movimento, e não parece que vá a algum lado, etc. Então, o que se pode fazer? O que se pode fazer realisticamente que tenha em conta aquilo que é?

Bem, o que podem fazer é ignorar os ativistas. Ignorar os revolucionários. Temos de enfrentar as balas. Temos de enfrentar julgamentos militares. Não importa o que fazem. Não importa se o Facebook revela a minha informação.

Tenho de presumir que estou a ser constantemente vigiado, e que tudo sobre mim é público. Não importa. Mas o que importa são os utilizadores comuns, os utilizadores comuns que utilizam os vossos produtos para praticar a sua agência. Quando decidem que não podem optar por um pseudónimo, então estão a negar-lhes o direito de negociar a sua identidade. O direito de negociar a sua identidade está - não está na Carta dos Direitos Humanos, mas na realidade é essencial para a maioria dos direitos - as mulheres sabem do que estou a falar porque têm de negociar a sua identidade constantemente: são outra pessoa em casa, e são outra pessoa no local de trabalho, têm de negociar quem são, às vezes tenho de ser simpática e fazer o papel de mãe, às vezes tenho de ser a cabra no escritório. Se és gay, se és de uma minoria religiosa, se és o que quer que seja, a identidade negociada é muito importante. Posso escolher se devo revelar quem sou e como revelar quem sou, e decidir quem sou nos meus próprios termos e por mim próprio.

Quando desenham produtos que ajudam a afirmar a minha agência, mas depois interferem na forma em que consigo afirmar a minha identidade, então estão a negar-me algo muito importante. Assim, estão a permitir que os adolescentes sejam ameaçados porque os seus pais - e os seus colegas - conseguem pressionar-lhes de formas que nem sequer são possíveis no mundo físico. Eu posso esconder-me da minha mãe e fumar, mas não posso esconder o meu Facebook da minha mãe. O que é que se passa aí? Como é que eu retenho esse direito? Então, pense nos direitos dos utilizadores comuns.

Pensem neles de formas que vão além da privacidade / o governo vai ver isto / o que se está a passar. Isto é sobre quem eu sou. Isto é sobre a minha identidade. Isto é sobre a forma como me expresso. Isto é sobre como comunico com o mundo, e este é um ponto em que não penso sobre conflitos entre o seu lucro e os direitos dos seus utilizadores, e creio que o vosso governo não se importa assim tanto.

Conseguem fazer melhor do que isso.
Quanto aos ativistas, sempre encontramos uma maneira.
Obrigado.

Apresentado 25 de Outubro de 2011 na Califórnia

Dois dias depois, Alaa regressa ao Egipto. No Cairo, realiza um pequeno conselho no apartamento dos seus pais para decidir qual será a sua posição em frente ao Procurador Militar. Desde que o SCAF [Conselho Supremo das Forças Armadas] tomou controlo em Fevereiro, pelo menos doze mil pessoas foram julgadas em tribunais militares, por procuradores militares, perante juízes militares. A irmã do Alaa, Mona Seif, é a chefe de uma emergente campanha nacional chamada "Não aos Julgamentos Militares" que está a gerar cada vez mais consciência pública sobre - e indignação contra - este paralelo sistema penal que está a ser utilizado para reprimir as manifestações constantes e ações laborais que estão a decorrer num país que se considera num estado de contínua revolução.
 

(#FreeAlaa/www.freealaa.net)