OFICINA DAS EPISTEMOLOGIAS DO SUL#3_A violência do encontro colonial:
2018-01-23

A violência do encontro colonial: procurando alternativas para uma democratização profunda da história 18 de janeiro de 2018 Com: Ana Paula Tavares, Camilo de Sousa, Maria Paula Meneses, A colonização é sinónimo de violência. Esta brutalidade, escalpelizada de forma radical por Aimé Cesaire, assenta na redução do outro a uma coisa, a um não-ser, alguém com potencial para ser humano, se convertido e domesticado, pela educação e pelo trabalho, como lembram as leis e análises produzidas em Portugal, no início do século XX, que perduraram até ao fim do império colonial. Nesta sequência, um dos elementos que caracteriza a moderna colonização é a implantação de uma divisão abissal entre o “espaço metropolitano” – o espaço do poder, e o espaço colonial; a história do espaço colonial vai ser essencialmente escrita a partir de perspetivas imperiais, reflexo do conhecimento imperial metropolitano, com todas as suas limitações. A consequência desta violenta fractura epistemológica, que continua a precisar de ser mais rigorosamente estudada, é a constituição de uma “biblioteca colonial”, cujos saberes continuam ainda profundamente entrincheirados em muitas narrativas contemporâneas. Os contextos históricos, sociais e políticos da produção da “biblioteca colonial” são obscurecidos ou ignorados. Mais, vários autores tomam o projeto colonial e os saberes por este produzido como referentes ideais de governação. Por isso, é difícil conhecer o colonialismo enquanto projeto político sem nos dedicarmos à análise dos contextos e instrumentos da sua aplicação, e sem identificarmos e questionarmos a permanência das suas latências para lá das independências políticas. Nos últimos anos, quer em discursos políticos – por exemplo, os discursos de Sarkozy em Dakar ou de Marcelo Rebello de Sousa em Gorée – quer em publicações académicas, vários são os episódios em que se tem procurado justificar as vantagens do colonialismo para os povos africanos, ou as putativas desvantagens do fim da relação colonial. Mais recentemente, um artigo de um académico norte americano, Bruce Gilley, suscitou um mal-estar profundo ao defender, num artigo publicado numa prestigiada revista académica, de cariz progressista, o reabilitar da “missão positiva” do empreendimento colonial, como solução para os chamados ditos “estados falhados” do nosso tempo. _________________________________________________________________ The violence of the colonial encounter: seeking alternatives towards an in-depth democratisation of history With: Ana Paula Tavares, Camilo de Sousa, Maria Paula Meneses, Miguel Bandeira Jerónimo Colonisation is violence. This brutality, radically dissected by Aimé Cesaire, is based on the downgrade of the other to a thing, a non-being, someone with the potential to be human, if converted and domesticated, through education and work, as recall the laws and analyses produced in Portugal at the beginning of the 20th century, which lasted until the end of the colonial empire. Consequently, one of the elements that characterizes the modern colonisation is the implantation of an abyssal division between the “metropolitan space” - the space of the power, and the colonial space; the history of colonial space will be essentially written from imperial perspectives, a reflection of metropolitan imperial knowledge, with all its limitations. The consequence of this violent epistemological fracture, which continues to call for a more rigorous study, is the constitution of a “colonial library”, whose knowledges still remain deeply entrenched in many contemporary narratives. The historical, social, and political contexts of the production of the “colonial library” are obscured or ignored. Moreover, several authors take the colonial project and the knowledges produced by it as ideal referents of governance. Subsequently, it is difficult to understand colonialism as a political project without considering the contexts and instruments of its application, and without identifying and questioning the permanence of its latencies beyond political independences. In recent years, whether in political discourses - for example, Sarkozy's speeches in Dakar or Marcelo Rebello de Sousa in Gorée - or in academic publications, there are several episodes in which efforts have been made to justify the advantages of colonialism for the African peoples or the putative disadvantages of the end of the colonial relationship. More recently, an article by a North American scholar, Bruce Gilley, has provoked a profound uneasiness by advocating, in an article published in a progressive prestigious academic journal, rehabilitating the “positive mission” of the colonial enterprise as a solution for the called so-called “failed states” of our time.