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Anti-Heteropatriarcado
NÃO É NÃO: frentes de luta no combate à violência de gênero
AN Original
2024-03-08
Por Marcos Silva

A violência contra as mulheres se refere a quaisquer atos de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos para as mulheres: agressões, discriminações, ameaças, coação, abusos, assédios, privação de liberdade, entre outros, seja na vida pública ou privada.  Em várias legislações, o conceito de violência de gênero é aplicado à violência contra as mulheres.  A violência de gênero em diferentes idades, condição social, raça e etnia tem aumentado consideravelmente nas sociedades contemporâneas, seja ela física,  sexual e/ou psicológica. Autoras como, Samira Vigano e Maria Laffin, frisam que «perceber as singularidades de cada violência é perceber que os marcadores sociais são mais desiguais em relação a raça, etnia, classe, orientação sexual, idade e identidade de gênero»


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Sueli Carneiro reforça este debate e diz que «grupos de mulheres indígenas e grupos de mulheres negras, por exemplo, possuem demandas específicas que, essencialmente, não pode ser tratadas, exclusivamente, sob a rubrica da questão de gênero se esta não levar em conta as especificidades que definem o ser mulher neste e naquele caso».

No que tange a idade, por exemplo, O Estudo Nacional Sobre Violência no Namoro do ano de 2024, realizado em Portugal, mostra que do total de jovens participantes do Estudo, e que indicaram já ter tido ou ter uma relação de namoro, 63% reportaram ter experienciado, pelo menos, um dos indicadores de vitimização, ou seja, controle, perseguição, violência psicológica, violência sexual , violência por meio de redes sociais , violência física. Isto pode indicar que a violência não é um fenómeno exclusivo das relações entre pessoas adultas, mas +e também um problema presente nos relacionamentos entre pessoas mais jovens.


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Nesta direção, ressaltamos a importância para ações e programas educacionais na prevenção da violência em relacionamentos entre os jovens. E que incluam um currículo em todos os níveis de ensino que possam disseminar valores éticos de respeito à dignidade das pessoas a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; e ao problema da violência doméstica, familiar e social contra a mulher. Além de reforçar estudos e pesquisas para a produção de conhecimento sobre gênero, avaliando intervenções para o enfrentamento da violência de gênero.

O assédio sexual, seja no ambiente de trabalho, instituições educacionais, transportes públicos, locais de lazer, entre outros, tem atingido dados preocupantes. O que tem levado diferentes países a implementarem e/ou  atualizarem legislações voltadas a temática visando travar quaisquer violências de gênero.

Na Espanha, a Ley Orgánica 10/2022, de 6 de septiembre, de garantía integral de la Libertad sexual (Lei da Garantia Integral da Liberdade Sexual) tem sido bastante noticiada pela mídia e ganhou força para a sua introdução após o caso de violência sexual que chocou a Espanha  e levou milhares para as ruas do país no ano de 2016. A onda de protesto serviu de base para a implementação da  legislação de combate a violência contra as mulheres. A Lei resulta da pressão após o caso de violação em grupo em 2016.


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Em outros países, como o Brasil, o relatório Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil-2023 mostra números nada positivos de violência contra as mulheres . Em comparação com pesquisas anteriores, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado. As agressões físicas, ofensas sexuais e abusos psicológicos se tornaram ainda mais frequentes na vida das brasileiras. Tentar explicar este aumento não é uma tarefa fácil, entretanto, o Relatório sugere algumas hipóteses que foram agravadas, em geral, pela pandemia da covid-19. Isto é, o impacto da pandemia de covid-19 nos serviços de acolhimento e proteção às mulheres:  as restrições de horários de funcionamento; a redução de equipes de atendimento; as interrupções de atendimentos, além de falta de financiamentos de governos anteriores no país de políticas públicas de proteção a mulher ; o crescimento acentuado de todas as formas de violência baseada em gênero. Por mais esforços de legislações vigentes, infelizmente, ainda não temos vislumbrados a queda de números de violência.

Ressaltamos a importância da luta contante de movimentos sociais de base (movimentos socias de mulheres, mulheres negras, mulheres indígenas, LGBTQIAPN+), entre outros, no combate a violência contra as mulheres. Por um lado, é importante problematizar sobre a cultura machista e patriarcal que ainda fazem parte das sociedades contemporâneas. Enquanto homens «devemos reconhecer as atitudes e os comportamentos do sistema patriarcal e machista […] Refletir sobre este sistema e parar de reproduzi-lo no seu dia-a-dia. Esta é uma discussão que não podemos ignorá-la».  Por outro, é fundamental continuar fortalecendo a integração entre redes de acolhimento do Estado (Segurança Pública, Defensorias Públicas, Ministérios Públicos, Poder Judiciário e Sociedade civil) e a aplicação e aperfeiçoamento de legislações vigentes quando necessários visando a travar a violência de gênero.

Na trilha de Sueli Careiro Sueli Carneiro, apreendemos também que  «a luta contra a violência doméstica e sexual estabeleceu uma mudança de paradigma em relação às questões de público e privado. A violência doméstica tida como algo da dimensão do privado alcança a esfera pública e torna-se objeto de políticas específicas».

Citamos como exemplo no Brasil, a Lei nº 11.340/2006  (Lei Maria da Penha) que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entendendo que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, deve dispor dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Assim como a Lei 14786 /2023 que cria o protocolo “Não é Não”, para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima, principalmente nos ambientes de casas noturnas, boates, espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica para promover a proteção das mulheres e para prevenir e enfrentar o constrangimento e a violência contra elas.


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É importante cada vez fortalecer as redes de proteção às mulheres e do enfrentamento da violência de gênero com ações governamentais e da sociedade civil com  disseminação de informações, eficácia  e monitorização por parte dos agentes da segurança pública e do sistema de justiça (aperfeiçoamento de legislações quando necessária), acolhimento e encaminhamento das pessoas que sofrem violência (escuta qualificada, abrigo, programa de geração de renda), dentre outros.

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Marcos Antonio Batista da Silva - Doutor em Psicologia Social pela PUC-SP.  Pós-doutorado no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra.