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Anti-Colonialismo
Não só lamentamos a morte cruel da Shireen, mas de todas as vidas consideradas descartáveis em nome do colonialismo. Shireen, presente!
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2022-05-16
Por Daniela Jorge

O seguinte texto foi escrito pela amada jornalista Palestina-Americana Shireen Abu Aqleh em 2021. O texto original foi publicado em inglês na publicação digital This Week in Palestine. Este artigo relata as experiências dela a reportar na cidade de Jenin após a fuga de 6 prisioneiros da prisão de Jilboa. No seu breve artigo, a Shireen escreve sobre as tragédias da colonização israelita, a realização histórica da resistência palestiniana na cidade de Jenin (que possui um dos campos de refugiados mais populosos da Palestina) e a chama continuamente reacendida da esperança de libertação. Esta semana Shireen foi assassinada em Jenin por um sniper israelita enquanto estava a efectuar uma reportagem para Al-Jazeera. Alguns políticos israelitas tentam justificar a sua morte, afirmando que ela estava "armada com uma câmara". Shireen não foi apenas assassinada enquanto estava a trabalhar, mas precisamente porque estava a exercer a sua profissão. Não só lamentamos a morte cruel da Shireen, mas de todas as vidas consideradas descartáveis em nome do colonialismo. Shireen, presente!


O Testemunho Pessoal de uma Jornalista
Shireen Abu Aqleh

Foi provavelmente uma coincidência que me trouxe de volta depois de vinte anos. Em Setembro, quando cheguei a Jenin, não esperava reviver este sentimento impressionante. Jenin ainda é a mesma chama inextinguível - o lar de jovens corajosos que não se sentem intimidados por qualquer possível invasão israelita.

O sucesso da fuga da Prisão de Jalbou foi a razão pela qual passei vários dias e noites na cidade. Foi como voltar a 2002 quando Jenin viveu algo único, distinto de todas as outras cidades da Cisjordânia. Perto do fim da Intifada de Al-Aqsa, cidadãos armados espalharam-se por toda a cidade e publicamente desafiaram as forças de ocupação para invadir o campo.

Em 2002, Jenin tornou-se uma legenda na mente de muitos. Este Abril, a batalha no campo contra as forças de ocupação ainda está poderosamente presente nas mentes dos seus habitantes, mesmo daqueles que ainda não tinham nascido quando a Intifada de Al-Aqsa aconteceu.

Voltando a Jenin agora, 20 anos depois, encontrei muitas caras conhecidas. Num restaurante, encontrei Mahmoud que me cumprimentou com a pergunta: "Lembras-te de mim? "Sim", eu respondi: "Lembro-me de ti". É difícil esquecer essa cara e esses olhos. Ele continuou: "Fui libertado da prisão há alguns meses". Mahmoud era procurado pelos israelitas quando o conheci durante os anos da Intifada.

Revivi as emoções de ansiedade e horror que sentimos cada vez que encontrávamos uma pessoa armada no campo. Mahmoud é um dos sortudos; foi preso e libertado, mas as caras de muitos outros foram transformadas em símbolos ou apenas memórias para os habitantes de Jenin e para os palestinianos em geral.

Durante esta visita, não enfrentámos nenhumas dificuldades em arranjar um lugar para ficar, ao contrário de há dez anos atrás, quando tínhamos que ficar nas casas de pessoas que não conhecíamos. Nessa altura, as pessoas abriram as suas casas para nós, pois não existiam hotéis.

À primeira vista, a vida em Jenin pode parecer normal, com restaurantes, hotéis, e lojas que abrem as suas portas todas as manhãs. Mas em Jenin temos a sensação que estamos numa pequena aldeia que monitoriza os estrangeiros que entram.

Em todas as ruas, as pessoas perguntam à nossa equipa: "És da mídia israelita? "Não, nós somos da Al-Jazeera". As matrículas amarelas dos veículos israelitas levantam suspeitas e medo. O carro foi fotografado e a fotografia circulou várias vezes antes do nosso movimento na cidade se tornar familiar entre os habitantes.

Em Jenin, encontrámos pessoas que nunca perderam a esperança; não permitiram que o medo infiltrasse nos seus corações e que não foram quebradas pelas forças de ocupação israelitas. Provavelmente não é uma coincidência que os seis prisioneiros que conseguiram escapar sejam todos da zona de Jenin e do campo.

Para mim, Jenin não é uma história efémera na minha carreira ou mesmo na minha vida pessoal. É a cidade que consegue elevar o meu moral e ajudar-me a voar. Ela representa o espírito palestiniano que por vezes treme e cai, mas que, além de todas as expectativas, ascende para realizar as suas trajectórias e sonhos.

E esta tem sido a minha experiência como jornalista; no momento em que estou fisicamente exausta e mentalmente esgotada, sou confrontada com uma nova e surpreendente legenda. Pode emergir de uma pequena abertura, ou de um túnel escavado subterraneamente.