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Reflexão
Original
Anti-Capitalismo
Anti-Colonialismo
Coletivos Negros e Educ(ação) 
AN Original
2020-10-13
Por Marcos Silva

A Lei nº 12.711 (cotas) sancionada em 2012 dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio na sociedade brasileira, e destaca que as instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. E deverão ser reservadas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário-mínimo e meio per capita, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência.

Nas palavras de Joaquim B. Barbosa Gomes,  as ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade.

Uma vez que as ações afirmativas são utilizadas no ensino superior brasileiro (universidades públicas), destaca-se o importante trabalho desenvolvido pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA/IESP/UERJ) que tem produzido conhecimento sistemático sobre a temática. Nesse sentido é possível verificar o estágio das ações afirmativas nas universidades no país, como pudemos observar no  Mapa das Ações Afirmativas – GEMAA.

Nesta direção ressalta-se a importância e atuação dos movimentos sociais brasileiros (Movimento Negro) que trouxeram as discussões sobre o racismo, a discriminação, as ações afirmativas, entre outras para a agenda política no Brasil. Como bem apontou Nilma Lino Gomes, a atuação do Movimento Negro também se deu nos fóruns decisivo da política educacional, reivindicada pelos movimentos sociais negros desde o início do século X.  A inclusão da população negra no sistema educacional público brasileiro aparecia como recurso argumentativo nos debates educacionais em décadas passadas. Na década de 2000 o Movimento Negro intensificou ainda mais o processo de ressignificação e a politização da raça. Cabe ainda destacar que as políticas de ações afirmativas fazem parte das discussões internas desse movimento social desde os tempos da atuação politica de Abdias do Nascimento, e gradativamente, passaram a ocupar um lugar de destaque na sua pauta de reivindicações na luta por uma educação antirracista. 

Embora as políticas públicas educacionais já estejam em vigor no país, em especial as Leis nº 10.639/2003 (história e cultura afro-brasileira e africana) e, suas  Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004). Além da Lei nº 11.645/2008 (história e cultura afro-brasileira e indígena) e, as ações afirmativas. Observa-se que, com o ingresso na universidade, os estudantes pretos e pardos (negros) e indígenas, lutam por reivindicações com vistas à uma educação antirracista que valorizem tais presenças nas instituições de ensino superior (expressões políticas, culturais, sociais, referenciais epistemológicos). Dentre outras, cita-se como exemplos: as políticas de permanência (bolsa); a moradia; o transporte; a alimentação. Além de questões subjetivas (representatividade do corpo docente). O número de estudantes negros/as cresceu nas universidades, mas ainda é reduzido o número de professores/as negros/as, como pudemos observar em reportagem do Jornal da Unicamp. Ressalta-se ainda o debate sobre a produção teórica, as práticas educacionais, a cultura acadêmica e o currículo das escolas e das universidades, e a valorização da história e cultura africana, afro-brasileira e dos povos indígenas.

Nesta direção, na investigação em desenvolvimento do projeto Politics temos nos deparado com a importância dos coletivos negros (movimento estudantil negros) nas universidades, muitos deles criados a partir da invisibilidade da temática racial no currículo académico, seja como disciplina, ou como tema transversal. Observa-se que o debate sobre a história e cultura afro-brasileira, africana e dos povos indígenas, ainda se dá, muitas vezes, em disciplinas optativas.

Os coletivos negros têm promovido debates, rodas de conversas, mesas de discussões, enfatizando a necessidade de atualizações na estrutura curricular relacionadas à questão racial (implementação de disciplinas obrigatórias, referencial teórico-metodológico). Assim como o compartilhamento de produção intelectual dos coletivos negros e de referências negras, para além dos muros acadêmicos.


Fonte: foto do autor
De modo geral os coletivos negros em universidades (públicas e privadas) têm atuado, por meio de projetos em escolas púbicas e particulares, objetivando dialogar e trocar saberes, cultura, história, ancestralidade com a comunidade escolar. O surgimento de inúmeros coletivos negros nas universidades mostra que a questão racial vem conquistando maior destaque nos últimos anos no ensino superior no Brasil e apresenta a possibilidade de um diálogo entre esses coletivos negros e comunidade acadêmica (instituição, alunos, professores), por meio de diálogos e debates considerados de extrema importância a toda sociedade, como é o caso do racismo, da discriminação racial. Esses coletivos negros têm criado espaços na mídia (jornais, redes sociais) para divulgar narrativas negras no espaço cultural, e principalmente para denunciar o racismo na sociedade brasileira. Outras pautas desses coletivos negros buscam dar visibilidade ao sistema de cotas para a pós-graduação, ampliação de restaurantes universitários. Assim como promovendo debates e roda de conversas sobre a comissões de heteroidentificação racial (sistema de cotas) relativas ao ingresso nas universidades para discutir o funcionamento e a importância dessas comissões. Essas comissões foram criadas para evitar fraudes no ingresso por meio do sistema de cotas. Isto é, instauram-se bancas para realizar a averiguação presencial das autodeclarações. Dessa forma, as instituições verificam se os candidatos realmente têm direito à cota ou se estão tentando fraudar o sistema. Portaria Normativa nº 4/2018.

Entre outras constatações da importância dos estudos das relações étnico-raciais no campo deducional na sociedade brasileira, cita-se: os inúmeros Grupos de Pesquisas que constam registrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); os Consórcio Nacional dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros; a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN). A Associação, desde a década de 2000 tem se destinado à defesa da pesquisa acadêmico-científica e tem reunido e fortalecido pesquisadores/as negro/as e outros/as  pesquisadores/as que trabalham com a perspectiva de superação do racismo, e com temas de interesse da população negra nas sociedades contemporâneas, em especial, no Brasil, na África e na Diáspora.

A ABPN tem realizado o importante Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/a. (COPENE). Vale lembrar que o XI COPENE tenho seu Congresso previsto para o mês de novembro de 2020 junto à Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba no Brasil ABPN


 

Marcos Silva, doutor em Psicologia Social, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Investigador em pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais, Univ Coimbra (Projeto: 725402 — POLITICS — ERC-2016-COG).