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Marco Ribeiro Henriques: “Há pessoas presas que trabalham sete a oito horas por dia e recebem 60€ por mês”
Fumaça
2020-08-06
Por Margarida David Cardoso, Pedro Miguel Santos, Bernardo Afonso

Os 49 estabelecimentos prisionais portugueses são tão diferentes entre si – em termos de tamanho, população reclusa, infraestrutura – que é difícil fazer apreciações globais sobre o sistema prisional. Ainda assim, há algumas características em comum: a insuficiência de guardas prisionais, de profissionais de saúde e de técnicos de reeducação, e as precárias condições materiais. Tendo em conta que mais de metade das prisões tem mais de 50 anos, há problemas de humidade, falta de luz natural e temperaturas extremadas, principalmente no inverno. As celas são, em geral, partilhadas, havendo uma prevalência de camaratas (às vezes com mais de dez camas) e de celas com tamanho individual onde dormem duas e três pessoas.

Além de casa, várias prisões são também o local de trabalho de quem está preso. Segundo dados do Governo, cerca de metade das pessoas reclusas tem uma ocupação profissional intramuros – produz-se vinho em Alcoentre, fabricam-se móveis em Coimbra, fazem-se acessórios de moda em Tires, por exemplo. 

Como qualquer cidadão, uma pessoa presa tem direito a trabalhar e não pode ser obrigada a fazê-lo, se assim não o desejar. No entanto, na maioria dos casos, não recebe o mesmo pelo mesmo trabalho feito por uma pessoa livre. Longe disso. “Há pessoas presas que trabalham sete a oito horas por dia, em linhas de produção, têm hierarquia e recebem 60 euros por mês. O trabalho mais bem pago dentro da prisão não chega a cinco euros por dia – e é o Estado português que paga”, diz Marco Ribeiro Henriques, jurista e investigador em Direitos Humanos, Direito penal e Política Criminal, com especial foco no trabalho prisional e na condição das mulheres presas.

Um vazio na lei permite que inúmeras empresas privadas tenham instituído esta forma de exploração laboral nas prisões. Existem, aliás, empresas que só funcionam dentro do espaço prisional, acrescenta o investigador. “Isto devia pôr-nos a refletir sobre que trabalho é este e que finalidade cumpre.”

Esta é apenas a ponta do iceberg que leva Marco Ribeiro Henriques a considerar que, “desde a estrutura à organização, está tudo errado” no parque prisional português. Numa entrevista gravado ao vivo, ao ar livre, no festival Rádio Faneca, em Ílhavo, falámos não só de trabalho prisional, mas também das condições em que viviam, no final do ano passado, quase 13 mil pessoas em Portugal.



Conteúdo Original por Fumaça