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Reflexão
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Anti-Capitalismo
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Desigualdades raciais e Coronavírus: máscara para todos
AN Original
2020-04-30
Por Marcos Antonio Batista da Silva

Para esta reflexão nos baseamos em notícias publicadas em alguns portais de notícias brasileiros e internacionais. O nosso foco recai sobre notícias envolvendo coronavírus (COVID-19) e as relações étnico-raciais (população negra/afrodescendente). O coronavírus (COVID-19) foi descrito como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e isso significa que a Organização reconhece a propagação geográfica da doença.

A pandemia do coronavírus assola diferentes grupos sociais, da elite, aos grupos mais vulneráveis e racializados (negros, indígenas, idosos, moradores de rua, moradores de favelas e periferias), entre outros. Entendemos que esses grupos são os que mais têm sofrido em tempos de pandemia. À medida que a pandemia continua a se espalhar, diferentes veículos de informação enfatizam diversas medidas para prevenção (isolamento social, uso de luvas, máscaras, uso de álcool-gel), entre outras medidas fundamentais, como por exemplo, lavar as mãos, como uma medida-chave de prevenção contra o coronavírus.

Lavar as mãos com sabão, quando feito corretamente, é fundamental na luta contra a nova doença do coronavírus. Entretanto, o que acontece quando nos deparamos com notícias que nem todos têm acesso imediato a um lugar para lavar as mãos?  Em tempos de pandemia do coronavírus e aos esforços para evitar o aumento no número de casos da doença em diversos países do mundo, as autoridades sanitárias, OMS, governantes, orientam a população a reforçar os hábitos de higiene e a manter o isolamento social. Mas como promover tais ações em âmbitos (inter)nacional, regional e local, isto é, em países marcados pelas desigualdades sociais e raciais, nos quais boa parte da população não tem acesso, por exemplo, ao saneamento básico, à água potável, à habitação adequada?
De acordo com dados da UNICEF, focalizamos que “apenas três em cada cinco pessoas em todo o mundo têm instalações básicas para se lavar as mãos, 40% da população mundial (3 bilhões de pessoas), não têm lavatório com água e sabão em casa. Essas pessoas estão particularmente em risco.

Sobre o Brasil aprendemos que na média, 83.5% da população brasileira é servida por rede de água, porém 52,4% tem esgoto coletado, do qual somente 46% é tratado

Notícias têm sido veiculadas em todos meios de comunicação, em todo o mundo, sobre o coronavírus (COVID-19).  Chama a atenção às notícias veiculadas em especial, sobre a população negra/afrodescendente no Brasil e nos Estados Unidos. Ao me deparar com essas informações, meu olhar recaiu sobre as desigualdades sociais e raciais, considerando que as iniquidades em diversos segmentos das sociedades contemporâneas são resultados de injustos processos socioeconômicos e raciais. Nas sociedades contemporâneas, o racismo estrutural tem corroborado com a morbimortalidade das populações racializadas (negros, indígenas), entre outros grupos. Essa situação poderá se agravar por conta da pandemia do coronavírus, caso os governos não proporcionarem assistência à saúde considerando a equidade.

A vulnerabilidade atinge especialmente os negros, por um racismo estrutural, as mulheres, os homossexuais e os transexuais, com uma carga muito maior quando esses são pobres. São esses grupos os mais atingidos, devido não só às condições de vida econômico-social, mas sócio-cultural. Porque estão em moradias precárias, sem nenhuma infraestrutura, ocupados em subempregos, sem um atendimento básico de saúde, saneamento, educação de qualidade e, somado a isso, toda carga do preconceito sobre eles, seja do racismo, do machismo, da homofobia, entre outros

Contudo, a população negra continua na luta antirracista, iniciativas da população sem esperar ajuda do governo são criadas. Citamos como exemplo, o contexto de uma das maiores “favelas” de São Paulo, Brasil (Paraisópolis), com iniciativas de ações visando conter o avanço da pandemia. Paraisópolis tem uma população de aproximadamente 100 mil pessoas, e uma grande população dividindo pouco espaço e infraestrutura, o que pode “propiciar” a disseminação do coronavírus. Entretanto, a comunidade tem se organizado para buscar alternativas, fazendo triagens rápidas para identificar pessoas com sintomas de coronavírus, bem como identificar pessoas que precisam de assistência, visando orientações, tratamento médico, bem como o isolamento social. Associação de moradores contratou um serviço médico incluindo ambulâncias, médicos, enfermeiras e socorristas. Observamos também, outras iniciativas, pessoas que perderam a renda por causa da pandemia. A grande maioria dos moradores de Paraisópolis são dos setores de serviços (diaristas, cozinheiras, manutenção), entre outros. A comunidade tem entre seus projetos, a capacitação de mulheres para serem costureiras, em tempos atuais vinculadas a confecção de máscaras de pano.
 

Fonte: Nicoló Lanfranchi/The Guardian

Por um lado, observamos iniciativas que buscam diminuir as desigualdades sociais e raciais, o racismo institucional. Por outro, nos deparamos como notas como a seguir: Estudante diz ter sofrido racismo por usar máscara de proteção contra coronavírus. notícia veiculada em diversas mídias.  Um estudante universitário, de uma instituição de ensino superior da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, denunciou no início do mês de abril do ano de 2020, pelas redes sociais, um caso de racismo sofrido em um centro comercial município de São Gonçalo, Rio de Janeiro.

O jovem estudante, negro, contou que foi a um supermercado para comprar itens que sua mãe havia pedido. Ele relatou que o dia estava chuvoso e, por isso, usava capuz, e um acessório para moldar o cabelo e uma máscara de proteção, assim como inúmeras pessoas vêm usando para se proteger do contágio do coronavírus.

Segundo o estudante, quando ele entrou na loja foi “abordado” de maneira grosseira por um segurança do supermercado. “Os gritos. O constrangimento. Os olhares de todas as pessoas do mercado. Estou acostumado com tudo isso? Infelizmente, sim. Mas eu também me acostumei a não deixar passar em branco e a lutar para fazer valer uma outra lei: a do crime de racismo”.

Esta não é uma preocupação somente no contexto brasileiro. Em outra notícia veiculada no contexto dos Estados Unidos, observamos a seguinte manchete: Coronavírus impede que negros usem máscaras feitas em casa.  A pandemia do coronavírus tem levado muitas pessoas a fabricarem suas próprias máscaras em casa, mas alguns homens negros dos Estados Unidos relataram suas preocupações com a máscara, preferindo não a usar. Qual o motivo? Racismo.

Citamos como exemplo, alguns relatos captados nos portais de notícias: “Eu não me sinto seguro usando um lenço ou panos, ou qualquer coisa que não seja claramente uma máscara para cobrir meu rosto quando eu for a uma loja. Porque eu sou um homem negro vivendo neste mundo”. “Não usar uma máscara de proteção vai contra as recomendações para o combate ao coronavírus, e pode aumentar o risco de contrair COVID-19, mas usá-la pode significar também correr o risco do racismo”. “Se eu for caminhar, vou lembrar de cumprimentar as pessoas para que elas possam me reconhecer e ver que moro no bairro”. “Farei todas as coisas que eu faria se tivesse medo de ser parada por um policial.

Entendemos que, a presença do racismo, do preconceito e da discriminação racial como práticas sociais, representa obstáculos à redução das desigualdades raciais. “Racismo e discriminação racial, no passado e no presente, constituem a explicação mais sólida para as desigualdades raciais.”


Marcos Antonio Batista da Silva, doutor em Psicologia Social, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra. Integrante do projeto POLITICS -  A política de antirracismo na Europa e na América Latina: produção de conhecimento, decisão política e lutas coletivas, financiado pela European Research Council (Projeto: 725402 — POLITICS — ERC-2016-COG).