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Anti-Heteropatriarcado
O projeto de investigação IPHinLAW - Homicídios nas Relações de Intimidade: desafios ao direito
IPHinLAW
2020-03-08
Por Madalena Duarte

“[…] e ele virou-se e com a faca em direção à minha cabeça disse: ‘E se eu ta espetasse agora na cabeça?’ O meu coração… até saltou. E eu olhei para ele: ‘Mas estás a falar a sério ou a brincar?’. “Estou a brincar”, disse, mas os olhos dele diziam que não era a brincar […]’” Catarina.

No próximo dia 8 de março assinala-se mais um Dia da Mulher. Esta é uma data para celebrar todas as conquistas que foram já alcançadas graças às lutas feministas por todo o mundo, mas é também um momento de reflexão sobre persistências, invisibilidades e possibilidades capturadas. Temos assistido, nos últimos anos, ao desenho e implementação de diversas políticas dirigidas à prevenção da violência contra as mulheres e de género, à sua criminalização e ao apoio às vítimas. Hoje podemos afirmar que o combate a estas violências é uma prioridade, facilitando a intervenção do Estado e outros organismos nestas situações.

Mas, a violência nas relações de intimidade permanece na atualidade como uma poderosa fonte de exclusão social. Uma das expressões mais cruéis dessa violência – e esta assume diferentes e complexas formas – é o homicídio. É raro entrevistar uma mulher vítima de violência que, tal como a Catarina [nome fictício], não relate as ameaças de morte que recebeu por parte do seu agressor e de como o medo condicionou a sua vida em todas as suas dimensões. O número de mulheres assassinadas denuncia a persistência da violência nas relações de intimidade e o longo caminho por desbravar no seu combate.

Os direitos de cidadania das mulheres não estão assegurados enquanto na esfera privada continuarem a ver violados os seus corpos, a sua sexualidade, a sua autonomia, a sua dignidade, o seu bem-estar e a sua saúde. Estas persistências alimentam-se ativamente de invisibilidades. Se a violência é, por si só, uma obscuridade da vida familiar e íntima, é-o de forma ainda mais marcante quando são negligenciadas as experiências das mulheres que vivem esta violência, que a sofrem e que a combatem, desenvolvendo estratégias quotidianas de sobrevivência.

Estas experiências têm de ser colocadas no centro de qualquer política, em toda a sua complexidade e, também, interseccionalidade. Falamos nas “outras” mulheres, as mulheres negras, as de minorias étnicas, as imigrantes, as irregulares, as mulheres transgénero, as mulheres lésbicas, entre "outras". Todas elas enfrentam problemas adicionais que devem ser abordados para que uma política ou lei sejam eficazes. É necessário tornar visível o que persiste nas margens para que as medidas que são desenvolvidas contra a violência nas relações de intimidade não sejam capturadas no seu potencial de transformar a vida destas mulheres.

Este imperativo coloca-se ao nível da definição política, mas igualmente da sua aplicação por parte de profissionais de diversas áreas. Trata-se, por exemplo, de combater ativamente os mitos sobre as causas da violência; a desvalorização da violência psicológica e sexual; os modelos estereotipados de feminilidade e masculinidade; e a descredibilização e culpabilização da vítima.

É este um dos propósitos do projeto de investigação IPHinLAW – Homicídios nas Relações de Intimidade: desafios ao direito, a decorrer no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Procuramos identificar a cultura legal dominante e analisar a resposta jurídica e judicial aos casos de violência numa relação de intimidade que terminaram em tentativas de homicídios e homicídios, de modo a identificar os principais obstáculos na aplicação da lei.

Para tal, partimos de uma análise criminológica que perceciona este crime como consequência de relações desiguais de género e que o intersecciona com diferentes sistemas de opressão. O nosso objetivo final é o de contribuir para um maior conhecimento sobre os homicídios nas relações de intimidade e promover medidas de prevenção e intervenção sociojurídica adequadas.


Madalena Duarte é investigadora do Centro de Estudos Sociais e Professora Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. É coordenadora do projeto "Homicídios nas relações de intimidade: desafios ao direito"



Conteúdo Original por IPHinLAW