pt
Reflexão
Original
Anti-Capitalismo
Anti-Colonialismo
Mudanças Climáticas: quem deve pagar os custos do Ciclone Idai?
AN Original
2019-05-06
Por Rodrigues Alfredo

No dia 14 de março de 2019, três países africanos Moçambique, Zimbabwe e Malawi foram atingidos pelo ciclone tropical “Idai” causando mais de mil mortos. O País mais afetado foi Moçambique, onde milhares de pessoas ficaram sem abrigo, 90% dos edifícios da cidade da Beira foram destruídos e as aldeias em seu interior desapareceram com o impacto das águas.

Neste cenário dramático, uma grave crise sanitária surgiu, epidemias como a cólera, malária se desenvolveram e, a cada dia, a emergência dos cuidados médicos, higiénicos e psicológicos se tornam cada vez mais urgentes. Mas, nas médias internacionais tudo isto não passa de um evento comum. Uma fatalidade que os países mais pobres e mais fracos do planeta devem sofrer como um destino adverso e inevitável.

O ciclone Idai é consequência das mudanças climáticas. A partir da Revolução Industrial a causa principal das mudanças climáticas é antrópica: consequência das atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis para geração de energia, atividades industriais e transportes, descarte de resíduos sólidos e desflorestamento. Todas estas atividades emitem grande quantidade de gases responsáveis pelas mudanças climáticas como o dióxido de carbono e o óxido nitroso.

Estas atividades são particularmente praticadas no Norte que no Sul global. Neste sentido, os países do Norte global são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas que estão a criar sérios problemas no Sul, como: tempestades tropicais, inundações, ondas de calor, seca, furacões, tornados, tsunamis e outros.

Qualquer justificação dos países do Norte global da falta de conhecimento dos danos causadas pelas mudanças climáticas no Sul creio que é infundada porque os modernos meios de comunicação social colocam cada um de nós em contacto com cada evento, importante ou insignificante, que acontece em qualquer parte do mundo.

Neste sentido, não é plausível afirmar que os países do Norte global, os principais responsáveis pela emissão de dióxido de carbono não sabem das consequências das suas ações, que os países do Sul global, mais dependentes da agricultura de subsistência sofrem com as mudanças climáticas.

Moçambique é um dos países que sofre a desertificação, aumento do nível do mar e inundações. O Governo moçambicano mesmo se de alguma forma consegue reassentar as populações deslocadas devido ao clima; no entanto, o reassentamento protege a população contra os riscos físicos de inundações extremas, mas pode levar a outros problemas ambientais, sociais, económicos e políticos.
Portanto, os países do Norte global têm a obrigação moral de encarregar-se dos custos da mitigação e adaptação das populações afetadas do ciclone Idai em proporção ao excesso de recursos atmosféricos e pelo benefício obtido. Nesta ótica é errado chamar “ajuda humanitária” o pouco que Moçambique, Zimbabwe e Malawi receberam para fazer face aos efeitos do ciclone Idai. É simplesmente uma questão de justiça corretiva.

Nós sabemos que se um agente X com sua ação ameaça e põe em perigo Y, pelo menos a partir do momento em que X sabe das consequências das suas ações, ele deve terminar sua ação e ajudar a corrigir o dano feito a Y. Neste sentido, se os países do Norte global gozam de um alto nível de bem-estar devido a exploração excessiva dos recursos atmosféricos causando sérios danos aos países do Sul global, têm a obrigação de terminar as suas ações e corrigir os danos produzidos.

Este princípio é fundado na premissa igualitária do direito de todos seres humanos a um uso igual do recurso atmosférico. Todos aqueles que usam mais do que a sua parte violam os direitos dos outros. Portanto, eles devem compensá-los proporcionalmente ao uso extra.
Esta tese vale também para os países exportadores de petróleo usados em atividades altamente poluentes. Por exemplo, embora a Noruega não polua, uma vez que a sua riqueza é baseada na exportação de produtos poluentes, ela se beneficia da destruição do ambiente atmosférico e, consequentemente, deve contribuir a resolver os efeitos das mudanças climáticas em proporção ao seu benefício.
Negar esta tese significa reduzir os países do Norte global em parasitas. Um país é parasita quando conduz um processo de desenvolvimento industrial, acelerando as mudanças climáticas, que causam sérios danos às populações do Sul global.

As mudanças climáticas intensificam os fatores da pobreza no Sul global. Os eventos intensos de chuvas afetam negativamente a agricultura de subsistência. Além disso, pode aumentar o número de mortes de malária, desnutrição e outras doenças relacionadas com as mudanças climáticas.

O aumento da temperatura global e a presença de menos água no solo para beber, abastecimento industrial, irrigação, prevenção de flora, geração de energia e agricultura pode aumentar conflitos no mundo. A origem de algumas guerras no continente africano pode ser atribuída as mudanças climáticas: um processo lento e gradual que corrói os meios de subsistência das pessoas, desencadeando conflitos de recursos naturais.

A partir deste quadro teórico é incontestável que nos próximos anos as mudanças climáticas expulsarão milhões de pessoas das suas terras, constituindo a principal causa do fenómeno migratório a nível mundial.

Existe um tentativo de resolver a questão das mudanças climáticas através dos acordos internacionais. Existem cerca de 200 acordos sobre o meio ambiente, o último é o “Acordo de Paris” de 2015. Tais acordos apresentam o problema da aplicabilidade porque os acordos internacionais em matérias de clima não são vinculativos e não há uma autoridade transnacional capaz de os fazer respeitar.

Estes problemas podem ser resolvidos com a criação de uma Organização Mundial da Natureza de acordo com o que já aconteceu, com a fundação da Organização Mundial do Comércio em 1995. Não há dúvida de que na falta de uma Organização Mundial do Natureza, os acordos sobre o clima nunca poderão se tornar executivos. É suficiente que um país como os EUA não ratifique o acordo assinado para ser dispensado da sua função reguladora.

A constituição de uma autoridade transnacional capaz de obrigar todos os Estados a respeitar os acordos internacionais sobre o clima é uma questão de justiça global. Os Estados estão bem conscientes de que esta é a única estrada eficaz para resolver o problema das mudanças climáticas, mas não agem para continuar a criar poluição e adquirir posições de vantagens competitiva no comércio internacional.

Imaginamos o mundo como uma "casa comum" com recursos limitados. Se os usuários desta casa exploram tais recursos em modo inapropriado, os recursos vão diminuindo até exceder o seu limite critico e isso irá desencadear a perceção individual em uma tragédia iminente. A partir deste momento os usuários iniciam uma corrida de acumulação dos recursos porque se tornam cada vez mais exíguo. Diante da absoluta escassez de recursos naturais, as guerras entre os Estados serão inevitáveis.

Neste contexto de guerra de todos contra todos a paz é possível só se os Estados estipularem um pacto, pelo qual se forçam a buscar a paz através da criação de uma instituição comum, ou seja, a constituição de uma autoridade transnacional capaz de manter em harmonia a biosfera e a noosfera: um conjunto de todos os seres humanos que têm a capacidade de planear as suas ações e de ter um projeto consciente comum.


Alfredo Rodrigues é doutorando em filosofia politica na Universidade de Roma “La Sapienza”. Membro da Rede Internacional de Ecologia Integral, Pontifícia Universidade Antonianum, Roma.

E-mail: rodrigues.alfredo@uniroma1.it