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Anti-Capitalismo
Cidadãos moçambicanos podem acabar pagando a conta da aposentadoria dinamarquesa
Alternactiva
2019-02-14
Por Drude Daverkosen

O que começou como uma aventura de atum na esperança de fazer milhões acabou como uma conta de 2 mil milhões de dólares para os cidadãos moçambicanos. Com o mais recente plano de pagamento para os empréstimos ilegítimos à empresa moçambicana de atum, Ematum, dois fundos de pensão dinamarqueses podem ter lucros com os seus investimentos neste assunto sujo. Mas a pressão de activistas dinamarqueses pode acabar por fazer a diferença.

Activistas manifestando-se contra o poder corporativo em Copenhaga | AK

Sabe-se que 6 instituições financeiras e fundos de pensão dinamarqueses estavam entre os credores originais de empréstimos controversos garantidos pelo Estado moçambicano e concedidos à empresa moçambicana de atum, Ematum. Os empréstimos foram organizados pelo banco suíço Credit Suisse e pelo banco russo VTB e revelaram-se uma grande fraude. Uma vez que o governo moçambicano garantiu estes empréstimos a juros altos, isso significa que os contribuintes moçambicanos provavelmente terão de reembolsar o empréstimo aos investidores estrangeiros.

Um relatório de auditoria da empresa de auditoria Kroll revelou que apenas uma pequena parte dos empréstimos foi utilizada para investir em alguns barcos de pesca, que nunca saíram do porto de Maputo. A maior parte do dinheiro não foi contabilizada, o que fez os credores accionarem a garantia estatal junto ao estado moçambicano. A garantia do empréstimo não foi aprovada pelo parlamento moçambicano, tornando-a ilegal. O caso fez com que o governo dinamarquês suspendesse os programas de ajuda dinamarquesa a Moçambique em 2015, terminando-os definitivamente a partir de 2016.

“São as pessoas pobres que acabarão pagando a conta. Temos de ter um novo acordo internacional sobre a reestruturação da dívida. Hoje, a dívida só pode ser atribuída a populações cujos governos contraíram os empréstimos, ilegalmente ou não. Deve haver uma responsabilização dos credores”, afirmou Lars Koch, chefe político da Action Aid Denmark, ao jornal dinamarquês Information.

Os fundos de pensão dinamarqueses têm a chance de lucrar com o novo plano de pagamento

Em Fevereiro de 2016, o jornal dinamarquês Information revelou que duas empresas de investimento e quatro fundos de pensão dinamarqueses possuíam títulos dos controversos empréstimos. A 28 de Dezembro de 2018, o mesmo jornal noticiou que três fundos de pensão dinamarqueses ainda detêm os seus títulos.

Em Dezembro de 2018, os maiores credores da Ematum concordaram em adiar o parcelamento do empréstimo. Isso deu ao governo moçambicano uma pausa, mas aumentou significativamente o ónus da dívida do país. A população de Moçambique poderá assim pagar entre 1,7 e 2,2 mil milhões de dólares por um empréstimo de 760 milhões de dólares, do qual não recebe qualquer benefício. Enquanto isso, as empresas que agora detêm as dívidas estão em posição de obter lucros potencialmente enormes. Entre essas empresas estão três fundos de pensão dinamarqueses.

“O acordo com os proprietários dos títulos da Ematum deve ser visto como uma tentativa de conseguir que os contribuintes moçambicanos paguem por empréstimos que outros aceitaram”, disse Ole Stage, representando a Associação de Clientes de Pensões Críticas na Dinamarca, ao jornal dinamarquês Information.

As recentes detenções de cinco pessoas por trás da fraude, incluindo o ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, e três antigos executivos do banco Credit Suisse, podem vir a anular os empréstimos.

Pressão da sociedade civil dinamarquesa influenciou os investidores

A publicidade em 2016 resultou na venda dos títulos dos maiores investidores dinamarqueses, Sydinvest e Danske Bank Invest, o que pode ser considerada uma jogada inteligente dos investidores, que desta forma evitam os críticos dos recentes desenvolvimentos no caso e também evitam ter de assumir a responsabilidade na questão do pagamento dos empréstimos após a revelação da fraude.

Dois dos três fundos de pensão da Dinamarca que detêm os títulos – PensionDanmark e Nordea Liv og Pension – devem aceitar o novo plano de pagamento. Eles argumentam que a sua comparticipação é tão pequena que a venda dos títulos não afetaria o processo. Os títulos devem, porém, ser considerados em conflito com suas próprias diretrizes de investimento responsável.

Como resultado da pressão da rede de ‘Clientes de Pensões Críticas’, o terceiro fundo de pensão MP Pension foi o único dos três fundos a investigar a sua participação nos empréstimos.

“Esse investimento em títulos foi um erro em retrospecto e já fortalecemos os nossos processos neste campo, então eu realmente espero que possamos evitar tais erros no futuro”, afirmou o chefe de investimentos da MP Pension, Anders Schelde, à Information.

Além disso, em Dezembro de 2018, a MP Pension decidiu adicionar o estado moçambicano à sua lista de exclusão de investimentos em títulos públicos e, com base nisso, vender os seus títulos na Ematum o mais tardar até fim de Março de 2019.

De acordo com Vibe Johnsen, da rede Critical Pension Customers, os cidadãos estão cada vez mais conscientes da sua capacidade de influenciar as suas agências de previdência social para fazerem investimentos mais responsáveis, com maior transparência, entre outras reformas. Eles estão a organizar-se em redes, trocando informações, elaborando estratégias e tendo sucesso em influenciar e mudar as políticas e práticas de investimento das instituições financeiras.

“A nossa pressão por uma maior responsabilização contribuiu, entre outras coisas, para a MP Pension agora apresentar-se como uma instituição onde a responsabilidade e os lucros devem andar de mãos dadas e fazer um esforço real para respeitar isso.”

Os fundos de pensão dinamarqueses também investem em recursos naturais moçambicanos

Os controversos empréstimos à Ematum, garantidos pelo Estado moçambicano, não são os únicos interesses que os fundos de pensão dinamarqueses têm em Moçambique. Em Fevereiro de 2018, a ONG dinamarquesa Afrika Kontakt publicou um relatório que revela o investimento de oito fundos de pensões dinamarqueses na indústria extractiva na província de Tete. Aqui, os fundos de pensão dinamarqueses investem na danosa mina de carvão de Moatize, que causou a poluição da água e do ar e o deslocamento de 1365 famílias. Três dos oito fundos de pensão reagiram ao relatório da Afrika Kontakt, mas nenhum deles desinvestiu totalmente. No entanto, por iniciativa da sua base de membros, a MP Pension iniciou um processo de acompanhamento detalhado da situação, investigação e definição de um caminho futuro para os seus investimentos na mina de Moatize, usando o caso como um precedente para futuras políticas de investimento em investimentos semelhantes.

Quando o movimento dinamarquês de comércio no início dos anos 90, junto com o então governo liberal dinamarquês, introduziu os esquemas descentralizados de aposentadoria, o raciocínio era que os fundos baseados em membros poderiam influenciar os negócios e garantir práticas decentes de investimento para nossas poupanças coletivas. Como os casos acima mencionados mostram, a realidade é que o principal objetivo dos investimentos é o lucro e não as pessoas. Desta vez, resultando em cidadãos moçambicanos pagando a aposentadoria dos dinamarqueses.

Por outro lado, há esperança à medida que mais e mais vozes críticas na Dinamarca começam a influenciar as políticas de investimento dos Fundos de Pensão em direção a investimentos social, ambiental e financeiramente mais responsáveis ​​ e a responsabilizá-los. [FIM]

Nota do Editor: Este artigo foi escrito exclusivamente para Alternactiva. O texto original (em inglês) foi amavelmente traduzido para português por Miguel de Brito.


*Drude Daverkosen é activista dinamarquesa e membro da organização de solidariedade dinamarquesa Afrika Kontakt. O foco principal de seu activismo está nas relações de poder e na desigualdade global que resultam do envolvimento da Dinamarca na África Austral. Está  actualmente a terminar seu  mestrado em Sociologia da Religião na Universidade de Copenhaga, Dinamarca.



Conteúdo Original por Alternactiva