Neste ensaio trazemos notas de sentido, com toques da experiência de quem vive a procura da descolonização. No primeiro momento essas reflexões pulsam e nos desafiam – o que as ladeiras e as escadarias de Coimbra tem a nos dizer?
Contar os caminhos que passamos ao viver essa experiência somente foi possível quando nos permitimos olhar além da linha, sentir o que está em volta, além da cidade, descer cada camada como quem desnuda-se. Para viver isso é preciso ir além do acadêmico e nos deparar com as emergências, evidenciadas nas ruas que nos fazem pensar a possibilidade de outras epistemologias.
Isso é como ir na contramão dos fatores de impacto acadêmico - afinal, como pesquisadores estamos sempre procurando bases epistemológicas para as publicações, com todo o rigor acadêmico, além do sistema qualis das revistas e que nos coloca em padrões fordistas de produtividade. Diante dessa realidade o que fazer?
Esse caminho pode ser feito por alguém que não se cala diante da opressão, diante de uma academia fria e enclausurada. Um rigor outro é possível - como nos diz pesquisadores do nordeste brasileiro, entre eles citamos: Macedo, Galef e Pimentel2 em que o aprendizado se faz numa totalidade-vivente. É assim que enveredamos na possibilidade de uma epistemologia que emerge do “sul global” – com e pela arte - exposta na rua apropriada pelo espaço público e não fechada - onde apenas uma elite tem acesso. Como num fazerpensante clarificamos essas questões com Boaventura3 em sua última obra4 quando nos apresenta a pedagogia das emergências - que surge na esperança da existência de um outro lado – ao deixar de enclausurar o conhecimento e reconhecer a linha abissal dos contextos acadêmicos.
Karine Pinheiro de Souza
Isso nos abre um leque para fazermos um novo caminho – escavar mais algumas camadas – além do conhecimento que está enclausurado nos papiros. Ver esse mundo pela lente sensível, nos remete ao pesquisador catalão Larrosa, quando nos chama atenção que a arte está em toda parte, basta mudarmos a lente. Por isso, outras linguagens emergem, que só é possível quando nos abrimos a experiência. Com nos diz Larrosa5 a arte“ é o mundo como cor, como som, como textura, como rugosidade. É como se a arte abrisse a pele do mundo e, portanto, a arte oferece o mundo sensível e não tanto o compreensível”
Assim, as paredes podem estar sujas e nem ser compreensíveis, se não tivermos esse olhar sensível que a arte nos propicia. Por isso, voltaremos nossa lente para as ruas - o que nos diria Coimbra – disputada pelas fileiras cartesianas dos bancos acadêmicos e na epopeia presente em seus muros ? E, o que nos dizem as pichações em forma de poesia? Ou seria poesia em forma de pichações? Trata-se de arte ou vandalismo? Quem as definiria?
Talvez não seja necessário responder – mas sentir a partir das escadas por traz dos santos, nos pensamentos que não cabem apenas nos bancos acadêmicos, mas nas falas pichadas, pelos amores não correspondidos, nos silêncios daqueles que sofrem...do impossível que emerge.
Ao escolher essa lente, se faz necessário um exemplo das ruas para outro contexto – para representar também uma experiência que durante uma palestra de Boaventura - nos indagou sobre a arte como expressão mais profunda do pensamento humano e nos permite denunciar e anunciar as desigualdades da sociedade. Por isso, superar os cânones – ir além do Shakespeare e Diego Rivera, mas se abrir a diversos formatos e estéticas - ver a arte dos grafiteiros, dos artistas das periferias – como um recurso contra-hegemônico, que vindo do sul tem como tarefa a descolonização que do outro lado da linha absorve a tarefa de produzir a imaginação e a criatividade.
Foi nesse movimento que rompemos barreiras com uma nova metodologia, pois durante a aula “A Arte e as Epistemologias do Sul“6 uma nova pedagogia foi proposta para superar a linha abissal, com uma abordagem no contexto pedagógico coletivo e colaborativo. Na oportunidade desafiamos o público a colaborar seus pensamentos utilizando instrumentos da Web 2.0 (nesta aula o google drive foi utilizado como processador de texto coletivo)7 para construir o conhecimento pluridimensional, revelando novos limites vinculando as histórias nas/com as redes em espaços coletivos em que pessoas desconhecidas se conectaram, partilharam suas ideias sobre a temática comum da aula, promovendo a construção da inteligência coletiva.8
Isso foi permitido por meio de novo muro agora virtual, com a escrita coletiva9 em que o processo de colaboração adotou um espaço comum10 a partir de linguagens espontâneas que foram sendo compartilhadas em forma de poemas, músicas e até links de vídeos foram dando cor essa nova parede. Os participantes da aula não eram apenas expectadores, mas autores no processo ao representar as suas linguagens de libertação. Foi assim, que a ecologia de saberes emergiu entre portugueses, brasileiros, moçambicanos, cabo-verdianos, mexicanos, numa língua em comum. Enquanto uma palavra era dita abria-se uma outra possibilidade. Como podemos ver na produção coletiva na figura 1 - que representa a colaboração de dois agentes: o primeiro escreveu “impossível” (palavra escrita por Aristeo) e a segunda colaboradora (Karine) transformou a letra “O” para o símbolo @- para inserir “@bertura” que gerou a “possibilidade”, com isso se aproximaram dois personagens nessa poesia concreta, conforme a imagem, a seguir.
Fonte : material coletivo compartilhado no drive, em 25.maio.2018.
Essa representação, nos faz voltar a outros gritos também coletivos nas escadarias de Coimbra – que demarcam a materialização da pedagogia das emergências que sai das salas de aula, que descoloniza o currículo e nos faz construir intersecções – entre os muros - com o grito dos excluídos pela linha abissal, com a arte representada nos grafites e pichações pelo caminho.
Tal emergência abre espaço para outra linguagem, pois essa experiência não cabe somente no texto, logo convidamos o leitor para continuar pela lente do texto em movimento, com o vídeo disponível no link para percorrer os nossos caminhos pelas ruas de Coimbra, em que representamos mais alguns gritos. E, que possamos suscitar novas pedagogias emergentes.