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Reflexão
Original
Anti-Capitalismo
Anti-Colonialismo
Anti-Heteropatriarcado
Eles invadiram nosso jardim
AN Original
2019-02-04
Por Denise dos Anjos Mascarenha, Ângela Cristina Ferreira

A extrema direita assumiu a presidência do Brasil. Jair Bolsonaro venceu as eleições com o discurso de ódio às minorias sociais, de combate a corrupção, pautando, superficialmente, a questão da segurança, fazendo campanha sustentada em fake news e sob denúncias de caixa 2. Quem merecia receber todo e qualquer repúdio da população brasileira, semana passada foi o representante de um dos maiores países da América Latina no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Com pronunciamento evasivo e superficial, se colocou no propósito de tornar o Brasil um dos 50 melhores países do mundo para se investir, mas não indicou como o fará. Reforçou o discurso contra a “esquerda” e o “bolivarianismo”; afirmou o compromisso contra a redução de emissão de CO2 (após cogitar a saída do Brasil do Acordo de Paris) e proteção do meio ambiente. Prometeu um país seguro para receber turistas e defender os “verdadeiros direitos humanos”.

Com trajetória política pouco significativa não compareceu a nenhum debate no segundo turno das eleições para explicitar suas propostas de governo, e agora desperdiçou mais uma oportunidade de expor o que pretende fazer para superar uma crise que ajudou a aprofundar no país. No final do ano passado o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE divulgou que a desigualdade e a concentração de renda no Brasil aumentaram nos últimos anos e que 10% dos mais ricos concentra 43,1% da renda nacional. A quantidade de pessoas em situação de extrema pobreza (que vivem com até R$ 140/mês) passou de 13,5 milhões para 15,2 milhões, e as pessoas atingidas pela pobreza (que vivem com o equivalente a R$ 406/mês) que eram 52,8 milhões, aumentou para 54,8 milhões. O desemprego atinge 12,4 milhões de pessoas e 1, em cada 4 desempregados, procura emprego há 2 anos (IBGE). É uma conjuntura grave demais para que o presidente do país se silencie.

Sendo notoriamente despreparado, nos primeiros dias de governo foram muitos os exemplos de descompasso com a sua equipe, sendo, por exemplo, desmentido pelo secretário da Receita, Marcos Cintra, por afirmar ter assinado um decreto de aumento do imposto sobre operações financeiras (IOF). Também foi desmentido sobre as propostas de alteração da idade para aposentadoria; que reduziria a alíquota do Imposto de Renda; e dos sinais de que poderia impor restrições à compra da Embraer pela Boeing. Há relatos de que assessores o orientaram a não tratar de temas econômicos e dia 18/02, nomearam o general de divisão Otávio Santana do Rêgo Barros para ser o porta-voz da Presidência.

Os diversos recuos nos expõe o despreparo mas também pode ser estratégia para fazer da desinformação uma forma de manter a inércia da população, o que torna urgente denunciar a gravidade que representa o momento político vivido no Brasil, que também elegeu uma Câmara dos Deputados mais conservadora e que cumprirá a agenda de um projeto ultra neoliberal para o país.

Dentre as primeiras medidas provisórias assinadas como chefe de Estado, Bolsonaro transferiu as competências atribuídas à FUNAI, ao Ministério da Agricultura, que tem à sua frente a deputada dos Democratas (DEM) Tereza Cristina, integrante da bancada ruralista, ou seja, alinhada com os interesses dos grandes proprietários rurais, o que gerou uma representação dos povos indígenas junto à Procuradoria Geral da República –PGR. Notícia que se agrava diante da permissão da chegada de 40 novos produtos comerciais com agrotóxicos no Brasil e que a Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins, do Ministério Agricultura, publicou lista com mais 131 pedidos de registro de agrotóxicos. No ano passado, 450 agrotóxicos foram registrados no Brasil, um recorde. Destes, apenas 52 são de baixa toxicidade. É um projeto de enriquecimento de poucos a custa do adoecimento de muitos.

Ainda em campanha, prometeu privatizar ao menos 100 estatais, projeto já anunciado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. Sob o pretexto de combater supostas fraudes, assinou outra medida provisória que irá cortar R$ 9,8 bilhões em benefícios do INSS somente este ano, antecipando parte da reforma da previdência, sem qualquer indicativo à cobrança da dívida de empresas, que chegam a R$ 450 bilhões.

Cumprindo uma de suas principais promessas, flexibilizou a posse de arma de fogo, permitindo que cada pessoa possa ter o limite de 4 armas, caso cumpra as exigências da Polícia Federal. Decisão descabida e preocupante para um país que, em 2017, obteve recorde de mortes violentas com 63.880 casos (Fórum Brasileiro de Segurança Pública); é o que mais mata homossexuais no mundo (ONG Transgender Europe); o quinto em assassinato de mulheres e o primeiro em morte por arma de fogo, conforme a Organização Mundial de Saúde.

Com um discurso demagógico contra a corrupção (apesar de ter vídeos nos quais assume sonegar tudo o que puder e ser denunciado por ter funcionários fantasmas em seu gabinete); em defesa da família (por trás de um discurso homofóbico, misógino e machista); e reduzindo o debate da segurança pública ao uso de arma de fogo e bradando que “bandido bom é bandido morto”, Bolsonaro encontra-se envolvido em mais um escândalo que exige bem mais do que sua pouca habilidade retórica, para explicar. O seu filho mais velho, Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo Rio de Janeiro, já sob suspeita de usar a conta de seu motorista para movimentação financeira, empregou em seu gabinete a esposa (desde 2010) e a mãe (desde 2015) do capitão da Polícia Militar Adriano Magalhães da Nóbrega, que, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, através da Operação Intocáveis, é o homem-forte do Escritório do Crime, organização criminosa suspeita de matar, em março de 2018, a então vereadora pelo Rio de Janeiro Marielle Franco, relatora da Comissão de Representação de Acompanhamento da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio.

Adriano Magalhães (foragido) e o major da PM, Ronald Paulo Alves Pereira (preso), foram homenageados, em 2003 e 2004, na Assembleia Legislativa do Rio por iniciativa do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O primeiro recebeu a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo Fluminense; o segundo ganhou a moção honrosa quando já era investigado pela autoria de uma chacina de cinco jovens, no Rio de Janeiro.

Diante de tal gravidade, da família do presidente da república está sob suspeita de envolvimento com milicianos, o tempo de Jair Bolsonaro no palácio do planalto pode trazer incertezas, mas com ou sem ele, o que está em pauta é o projeto de desmonte do Estado brasileiro e a dissolução da Constituição Federal, com os trabalhadores/as já sendo alvo de perdas de direitos. Os próximos anos tendem a ser de profundos retrocessos, com sucateamento dos serviços públicos, privatizações, a reforma da previdência, a retirada dos povos indígenas e quilombolas da posse de terras; suspensão da reforma agrária; criminalização de lideranças; movimentos sociais e recuo/conservadorismo na pauta de direitos humanos, o que deve provocar reação do campo progressista e dos movimentos sociais, que já possuem uma agenda intensa para combater as primeiras ações do governo: 1) Fortalecer ações unificadas no campo popular; 2) Aprofundar a leitura da conjuntura e apontar calendário de lutas e ações no tripé: formação/organização/luta; 3) Denunciar as ameaças a parlamentares e ativistas, e potencializar as ações do Comitê Nacional Lula Livre - campanha pela liberdade de Luiz Inácio Lula da Silva; 4) Pautar a relação do crime organizado com a política brasileira; 5)Produzir meios de divulgação, mantendo fontes confiáveis de informação; 6) Criar rede de apoio internacional, pois sendo o avanço da ultra direita um fenômeno global, a resistência precisa ser internacionalista.

Esmiuçar essa agenda em um calendário concreto é o grande desafio posto, e se lutar significa fazer algo, é fundamental que seja de forma organizada, cada vez menos voluntariosa e cada vez mais com adesão popular.
Nenhum Direito Humano à Menos no Brasil e no Mundo!


 

Denise dos Anjos Mascarenha é pesquisadora de pós-doc no Centro de Estudos Sociais/UC

 

 

Ângela Cristina Ferreira é ativista e militante no Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno/GO