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Reflexão
Anti-Heteropatriarcado
A luta das mulheres lésbicas em um país que odeia mulheres e LGBTs
Coletivo Juntas
2024-01-31
Por Isabella Netto

Sobre o assassinato de Carol, que levou centenas de mulheres lésbicas as ruas de diversas cidades no país

Ana Caroline Sousa Campelo, uma jovem de 21 anos, negra, lésbica e o que podemos compreender como uma lésbica visível ou também desfem (uma mulher que não performava uma feminilidade esperada) e por isso claramente lésbica. Carol era de Centro do Guilherme, mas a poucos meses tinha se mudado para Maranhãozinho para morar com sua namorada.

Carol foi morta, no último dia 10 de dezembro, com requintes de crueldade e muita brutalidade que não cabe aqui reproduzir aqui mais uma vez. Segundo Carmelita da Silva Sousa, mãe de Ana Caroline, “ela era uma menina meiga. Ela só tinha o prazer de viver, tiraram a vida da minha filha sem ela ter feito nada.”

Luana Barbosa dos Reis, uma mulher de 34 anos, negra, lésbica e como Carol, uma lésbica desfem, Luana é abordada pela policia e espancada na frente de seu filho de 14 anos em Ribeirão Preto, e morre no hospital.

Dois casos muito simbólicos e, infelizmente, não são casos isolados em uma sociedade abertamente misógina, racista e lesbofóbica. Assassinatos de mulheres dissidentes da lógica cisheteronormativa são muito comuns e, em algum nível, “aceitáveis”, com justificativas que inclusive culpabilizam as vítimas, como: “mas porque se vestia assim?”, “precisa parecer um homem?”, “mas não quer ser homem? Vai apanhar como um” e tantas outras formas de tornar essas mulheres responsáveis pelas violências que sofrem.

Esse texto não tem a pretensão de ser um obituário, mas sim uma breve análise de como as lésbicas podem apontar em outras ferramentas de lutas. Nós, lésbicas ou sapatões – como preferirem – temos vivências e violências que convergem com as mulheres heterossexuais. Mas parte das nossas vivências são específicas, e podem muitas vezes serem invisibilizadas.

A lei Maria da Penha diz em seu artigo 2º que “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, (…) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” e também diz, em seu artigo 5º, que “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Quando lemos de primeira, não parece faltar nada na elaboração da lei, mas a ausência de especificar qual mulher está sofrendo violência, cria a ilusão que lesbocídio é a mesma coisa que feminicídio, e definitivamente não é a mesma coisa. Um exemplo bem simples sobre as diferenças é que feminicídio geralmente é cometido por um homem conhecido da vítima, um namorado, um ex-marido, alguém que a vítima conhece e tem em algum nível uma relação e confiança. Já o lesbocídio é comumente cometido por um homem desconhecido, sem nenhum vínculo com a vítima.

A vivência sapatão tem suas especificidades e, por consequência, as violências sofridas também. A falta de representatividade nos espaços de poder e de elaboração de saberes indica um pouco do porquê não existem políticas públicas pensadas e direcionadas para essas mulheres. Sem dados que mostrem as nossas diferenças é impossível elaborar respostas eficientes para demandas que são desconhecidas, invisibilizadas.

Mas bastaria elegermos mais mulheres lésbicas ou mulheres desfem para cargos legislativos ou até mesmo nos executivos? Acredito que essa pergunta é respondida quando pensamos em figuras como Damares Alves, uma mulher eleita, mas que não comunga em nenhum momento da luta pelas mulheres. Ou mesmo em Fernando Holiday, um negro que engrossa a falácia da meritocracia. Ou em Thammy Miranda, vereador trans eleito pela direita com um discurso conservador. Não basta ser sapatão. Para nos representar, tem que compreender mais profundamente as lutas travadas pela nossa comunidade historicamente.

Se a família heterenormativa é ferramenta de manutenção da lógica capitalista e se o papel da mulher nessa sociedade é o trabalho da reprodução e subserviência ao homem, ser lésbica é, em sua essência, uma resistência contra o capital. Nossa existência é um insulto para o sistema que, em sua estrutura, odeia mulheres.

Os atos convocados nos últimos dias pedindo justiça por Carol demonstraram não só disposição de luta, mas também uma perspectiva de luta mais radicalizada, já que por essência não pertencemos a esse formato social, não cabemos nessa estrutura.

Carol e Luana eram mulheres jovens e visivelmente lésbicas, assim como suas pares que fizeram o chamamento das manifestações pelo país e que estavam nas ruas gritando por justiça para Carol. São mulheres que são atravessadas por diversas violências estruturantes. A misoginia e racismo se encontram em seus corpos, além de uma questão de classe que é latente, e por recortes que colocam diversas mulheres à margem.

Quais são os empregos que são oferecidos a essas mulheres, tão marginalizadas? Quais são as reais chances dessas mulheres atuarem, por exemplo, como advogadas, médicas ou mesmo enfermeiras (uma profissão comumente ligada às mulheres por se tratar de uma profissão que envolve o cuidado e baixa remuneração)? Como essas mulheres sobrevivem em uma sociedade que não as entendem enquanto mulheres, mas as odeiam?

Para essas mulheres, assumir suas existências em plenitude já é um ato radicalizado em meio a tantas violências. Os assassinatos de Carol, Luana e tantas outras são prova disso. Por outro lado, isso torna essas mulheres grandes potências de luta política, sendo ferramentas fundamentais de resistência, e nos mostra que setores negligenciados socialmente seguem em luta por sobrevivência.

No país que mais mata pessoas LGBTQIAPN+, minha solidariedade aos familiares, amigos e especialmente às viúvas dessas mulheres assassinadas por amarem outras mulheres. É inaceitável o quanto normalizamos a morte dessas mulheres. Seguiremos em luta por justiça pelas nossas vidas e, como entoado no ato de rua em São Paulo, “Luana Carol e Marielle, quero justiça por todas mulheres”.

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Isabella Netto é militante do Juntas SP e membra do Bloco Maria Sapatão
 



Conteúdo Original por Coletivo Juntas