pt
Reflexão
Original
Anti-Capitalismo
Anti-Colonialismo
Normas de Salvaguarda e Tráfico de Influência no exercício das acções de Responsabilidade Social Empresarial: Que desafios e Possibilidades? 
AN Original
2023-06-16
Por Maghivelani F. Simão

A Responsabilidade Social Empresarial (RSE) é uma temática que nos últimos tempos vem ganhando destaque no campo académico, mas também entanto que prática, visto ser este um dos caminhos mais atractivos para que países pobres alcancem o desenvolvimento. Tal como não existe um conceito consensual de RSE, também não existe uma uniformidade na sua aplicação ou prática.

O que este ensaio anseia é discutir a prática de RSE em Moçambique, à luz de dois aspectos específicos a saber: as normas de salvaguarda e o tráfico de influência. 

A Organização Internacional de Normalização entende RSE como “a responsabilidade de uma organização mede-se pelos impactos das suas decisões e actividades na sociedade e no meio ambiente, através de um comportamento transparente e ético, que: contribua para um desenvolvimento sustentável, incluindo a saúde e o bem‑estar da sociedade; tendo em consideração as expectativas das partes interessadas.” (ISO, 26000)

Contudo, é importante observar que a RSE enquanto prática está sujeita as condições de contexto seja legal, político e económico, pré-determinadas muitas vezes pelos contratos assinados entre empresas e governos. Nestes contratos são definidas percentagens de investimento em RSE, territórios, modalidades e sectores de desenvolvimento a serem abrangidos por estas acções. Outrossim, podem ou não existir a nível nacional instrumentos que sirvam de base para estes contratos. Aqui, segundo Griffiths and Tugendha, 2013, entram as normas ou políticas de salvaguarda, que segundo os autores, consistem em normas e diretrizes claras para que se saiba lidar com as questões ambientais, sociais e ajudar as empresas a “fazer o bem”, fomentando o desenvolvimento sustentável e incentivando políticas positivas e reformas jurídicas para intensificar os meios de subsistência locais, e ajudar as comunidades a exercer os seus direitos. Estas medidas de salvaguarda quando devidamente aplicadas, elevam a eficácia do desenvolvimento, e certamente contribuem para a redução da pobreza por um lado. Por outro, as políticas e os compromissos vinculativos, coadjuvados por mecanismos de análise independentes e capacitados, podem ajudar aos cidadãos e as comunidades afetadas a responsabilizar as empresas, permitindo-lhes, reivindicar e exercer os seus direitos quando existirem falhas e problemas durante elaboração e execução do projeto.

Porque o objectivo central das empresas é o lucro máximo ao menor investimento possível e não necessariamente o “fazer o bem” ou alcançar o desenvolvimento de um país alheio, em países subdesenvolvidos onde as democracias são fracas, as instituições e os governos frágeis e corruptos, o tráfico de influência emerge como mecanismo de enriquecimento político das elites e uma pilhagem autorizada por parte das empresas, em detrimento do prejudício das comunidades e do meio ambiente, ao arrepio das normas internacionais e locais. 

O guião de prevenção da corrupção (CIP, 2009) refere-se ao tráfico de influência como crime conexo a corrupção, que é “o comportamento de quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicita ou aceita, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade de natureza pública”.

O tráfico de influência pode ser relacionado ao rent-seeking ou rentismo, que é um comportamento generalizado que tem por objetivo a captura de dólares através de meios improdutivos e até mesmo corruptos. Todos os intervenientes (sejam públicos ou privados, internos ou externos) têm enormes incentivos para estabelecer elos com o Estado, para ganhar dinheiro. 

Gary e Karl, 2003 defendem que os governos em troca recompensam os seus apoiantes, canalizando dólares, concedendo proteções tarifárias, fazendo contratos ou atribuindo subsídios. 

E, se assim for, a atividade económica produtiva é penalizada, o crescimento é dificultado e as economias tornam-se distorcidas.

O tráfico de influência e a prática do Rentismo justificam que compromissos empresariais vinculativos se tornem facultativos onde uma minoria é beneficiada em detrimento de um desenvolvimento ou uma distribuição de riqueza. Assim se sucede em Moçambique, em
contratos como os da Sasol, Vale, Kenmare, British Tobacco, Vodacom, Standard Bank, Açucareira de Xinavane e Heinneken e muitas outras, onde o Estado abre mão das suas receitas e do desenvolvimento, tornando a RSE facultativa ou com percentagens mínimas, isenções no pagamento do IVA e de outros impostos por mais de 15 anos, e cujas políticas rentistas passam por nomear para cargos de topo indivíduos da elite do partido no poder, sem nenhum vínculo produtivo.

O tráfico de influência e a prática do rentismo constituem o principal desafio à prática de uma RSE efectiva e responsável, por retirarem do Estado o seu papel fiscalizador e de proteção aos seus interesses e das suas comunidades, nos locais onde estão inseridos esses projectos.

Apontados os desafios, que possibilidades? Em género de conclusão, esta pergunta pode ser respondida à luz da teoria das instituições segundo a qual uma sociedade civil/comunidades fortes produzem um Estado forte. Portanto, se considerarmos as fragilidades democráticas e a corrupção endémica, das quais o Estado não se consegue curar mesmo existindo quadros normativos nacionais e internacionais que seus representantes pontapeiam, caberá única e exclusivamente às organizações e movimentos da sociedade civil junto das comunidades se fortalecerem e capacitarem para resistirem, protegerem seus direitos e interesses desde a implantação dos projectos de desenvolvimento às acções de responsabilidade social empresarial e à fiscalização abrangente para o cumprimento das responsabilidades do Estado e das empresas.


Maghivelani F. Simão - Docente universitário e consultor.