Discute-se acerca da dimensão étnico-racial que atravessa a população em situação de rua nas sociedades contemporâneas, em especial no contexto brasileiro. Vale ressaltar que o contexto da pandemia da Covid-19, atravessou de forma significativa esta população. A Covid-19 afetou e tem atingido cada pessoa de formas diferentes, isto é, biologicamente, psicologicamente e socialmente, principalmente os grupos sociais mais vulneráveis e racializados (negros, indígenas), idosos, pessoas em situação de rua, dentre outros. Entende-se que estes grupos são os que mais têm sofrido em tempos de pandemia.
A presença do racismo, do preconceito e da discriminação racial como práticas sociais, representa obstáculos à redução das desigualdades, obstáculos que só podem ser ultrapassados com a mobilização de esforços de cunho específico (políticas de ação afirmativa), tendo em vista que o racismo desconstrói o tecido social fundado na prática da justiça. O racismo é estrutural, e abrange desde o institucional, até as microrrelações. O racismo é um sistema de opressão enraizado historicamente que está sendo desafiado por instituições e movimentos sociais comprometidos com os Direitos Humanos, principalmente do Movimento Negro, que sempre lutou para modificar essa situação.
Entende-se que é fundamental a implementação de políticas públicas capazes de dar respostas mais eficientes frente ao grave quadro de desigualdades que assola a sociedade brasileira. Tais políticas apresentam-se como uma exigência na construção de um país com maior justiça social. As desigualdades sociais no país são atravessadas pelo racismo estrutural. O reconhecimento do problema, bem como o compromisso com a construção de soluções está, portanto, explicitamente colocado, é necessário a construção de caminhos e instrumentos que impulsionem a condução desse processo.
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O impacto na vida da população negra no Brasil, principalmente daquelas que vivem em situação de rua, pode ser percebido tanto na sua relação direta com as políticas públicas ofertadas, quanto com os serviços e as instituições que deveriam garantir seus direitos fundamentais. Aponta-se que o caminho de enfrentamento ao racismo pelo Estado brasileiro está ainda a ser trilhado, em especial no que tange à saúde, à saúde mental, habitação, emprego, dentre outros, de grupos racializados (negros, indígenas) na sociedade brasileira.
As pessoas em situação de rua, em sua maioria negra, por exemplo, são um grupo populacional vitimas das desigualdades sociais e do racismo estrutural nas sociedades contemporâneas. São pessoas que têm diferentes experiências e vivências e que possuem em comum a pobreza, vínculos afetivos familiares interrompidos, falta de moradia fixa, emprego, local para dormir e higienização e saúde debilitada. No entanto, apesar de grande parte dessas características serem conceituadas no Decreto n.7.053/2009, que institui a «Política Nacional para a População em Situação de Rua», no Brasil, ainda se observa um quadro de desigualdades sociais e raciais, agravadas no contexto atual, principalmente pela pandemia da Covid-19, que assolou diferentes grupos sociais, principalmente as pessoas mais vulneráveis.
Destaca-se que a Assembleia Geral da ONU proclamou o período entre 2015 e 2024, como a Década Internacional de Afrodescendentes, onde os Estados-membros, a sociedade civil e todos os outros atores relevantes tomem medidas eficazes para a implementação do programa de atividades antirracistas de «Reconhecimento», «Justiça» e «Desenvolvimento», por meio de medidas concretas e práticas, propondo e implementando políticas públicas em nível (inter)nacional e local, de quadros jurídicos, políticas e programas de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata enfrentados por afrodescendentes, entre outras, que os Estados devem tomar medidas para melhorar o acesso a serviços de saúde de qualidade para os afrodescendentes.
Dados divulgados pelo portal Globo de jornalismo, intitulado «Aumenta o número de pessoas em situação de rua no Brasil», derivados de um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indicam que a população de rua cresceu no Brasil, em 2022. Nos primeiros cinco meses do ano de 2022, mais de 26 mil novas pessoas foram registradas como em situação de rua, no CadÚnico, o cadastro do governo federal que dá acesso a benefícios sociais. No Brasil, mais de 180 mil pessoas estão nessa situação, como indica o cadastro, no entanto este número pode ser muito maior, considerando pessoas que não são registradas institucionalmente. Ainda segundo informações que constam da reportagem, supracitada, 68% da população em situação de rua são negras.
O Relatório Técnico-Científico que apresenta dados referentes ao fenômeno da população em situação de rua no Brasil, do ano de 2021, já alertava-nos acerca da população em situação de rua, em especial, sobre a reivindicação desta população de inclusão no Censo do IBGE e/ou pela realização de um levantamento nacional e regional sobre o fenômeno da população em situação de rua no Brasil, que é uma antiga e necessária reivindicação, principalmente de movimentos sociais de base no país. Segundo, considerações do Relatório, é fundamental uma base de dados transparente e acessível que permita a compreensão abrangente do fenômeno da população em situação de rua no país. Em texto intitulado «Os invisibilizados da cidade: o estigma da População em Situação de Rua no Rio de Janeiro», Mirna Barros Teixeira e Colaboradores, chamam a atenção para uma população que se encontra inserida em realidades marcadas pela pobreza, violência, racismo e preconceitos de diferentes ordens.
Contexto este que tenho observado ao longo das últimas semanas em pesquisa de campo da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, no que tange ao projeto POLITICS que visa aprofundar e inovar o conhecimento e o debate sobre o antirracismo em contextos europeus e latino-americanos. Merece destaque também, o que apresenta ainda o site SP Invísivel|Brasil, onde captamos que a população em situação de rua não é invisível, mas sim a sua história sim. E toda história merece ser ouvida. É fundamental politicas publicas visando a promoção em saúde, saúde mental, equidade racial e ao combate ao racismo, em especial da população em situação de rua nas sociedades contemporâneas.
Marcos Antonio Batista da Silva - Doutor em Psicologia Social pela PUC-SP. Investigador em pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra (Projeto 725402 - POLITICS - ERC-2016-COG).