A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Década Internacional de Afrodescendentes, através da Resolução 68/237, para o período entre 2015-2024, tendo como pilares fundamentais: reconhecimento, justiça, desenvolvimento e discriminação múltipla ou agravada de afrodescendentes, onde os Estados, entre outras medidas, devem melhorar o acesso de afrodescendentes a serviços de saúde de qualidade.
Nas sociedades contemporâneas, o racismo tem corroborado com a morbimortalidade da população negra, em especial no Brasil, agravado ainda pelo contexto da pandemia do coronavírus-covid-19. Compreendemos que não será possível um combate efetivo para superar os perigos impostos pela pandemia do coronavírus, se não forem tomadas medidas que levem em conta as desigualdades no acesso a direitos e serviços que marcam o cotidiano da população negra.
A extensa e periódica divulgação de indicadores socioeconômicos, sob responsabilidade de Instituições de estatística e de pesquisa, mostram que grandes diferenciais raciais marcam praticamente todos os campos da vida social brasileira. Seja no que diz respeito à renda, acesso a empregos, violência, expectativa de vida, saúde e educação, devido as desigualdades sociais e ao racismo, herança do passado escravista, à política de branqueamento da passagem do século XIX para o XX, à histórica condescendência das elites brasileiras com desigualdades sociais e ao racismo na sociedade brasileira.
Ao olharmos para a sociedade brasileira, em especial, no que se refere a saúde, saúde mental da população negra, apreendemos que a Política Nacional de Saúde da População Negra (PNSIPN) visa garantir a equidade e a efetivação do direito à saúde de negras e negros no país, reconhecendo o racismo como determinante social das condições de saúde. Essa Política estabelece diretrizes, estratégias e responsabilidades da gestão em todas as esferas, com vistas à promoção da equidade em saúde. Apesar de avanços nos campos social, legal e institucional visando à equidade racial (Estatuto da Igualdade Racial), ainda enfrentamos no Brasil, o racismo estrutural. As reivindicações da população negra e do Movimento Negro, visando melhores condições de acesso ao sistema de saúde no Brasil, se fortaleceram no século XX, derivadas de lutas de movimentos sociais e antirracistas (Reforma Sanitária , Sistema Único de Saúde-SUS, PNSIPN).
No entanto, tais políticas relacionadas às mudanças e transformações necessárias na área da saúde, em busca da melhoria das condições de vida da população, ainda que tenham contribuído para a participação social com maior equidade em saúde (acesso integral, universal e gratuito), ainda não foram suficientes para integrar no Sistema, meios de superação de obstáculos enfrentados pela população negra, no acesso à saúde que sofrem pelos efeitos do racismo.
Assim perguntamos: há continuidade ou rupturas das desigualdades em saúde, saúde mental, que acometem a população negra, que resultam de injustos processos sociais, raciais e econômicos e do racismo, presentes na história do Brasil?
Infelizmente ainda no país, nos deparamos como dados dos Ministério da Saúde do ano de 2018, onde o documento Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros – 2012 a 2016, mostra que no ano de 2016, a cada 10 suicídios de adolescentes e jovens, seis ocorreram com negros. Estes dados nos levam a refletir sobre o destacado no portal da (UNEafro) Em meio ao racismo institucional, aluno negro tira a própia vida na USP.
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Compreendemos o racismo institucional como o fracasso das instituições e organizações em prover um atendimento adequado às pessoas de grupos racializados (negros, povos indígenas), entre outros. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, onde essas populações são colocadas em situação de desvantagem no acesso e permanência a benefícios gerados pelo Estado , organizações e instituições.
Vale destacar a importância da Carta dos docentes negras e negros da USP: Pelo direito á diversidade na USP! localizada por meio do Portal Geledés de 2 junho de 2021. Os docentes lançam carta denunciando o racismo institucional na universidade. Carta “O documento lembra que, muitas universidades ao redor do mundo, perceberam a importância e os benefícios de valorização da diversidade e de acolhimento, de educação e enfrentamento a abusos, assédios e discriminações étnico-raciais enquanto vigorou um silêncio insitucional da reitoria ante a morte trágica do estudante.”
Segundo reportagem da Revista Veja São Paulo, por Guilherme Queiroz, de 7 junho de 2021, intitulada Sequência de suicídios põe USP em alerta: “Precisamos saber onde erramos”. A Universidade promete criar rede para melhorar comunicação entre os seus serviços de saúde mental.
Os fatores apontados como extremamente preocupantes dizem respeito, à vida de pessoas negras, estudantes negros que vivem no Brasil e aponta para a urgência de compreender a saúde, saúde mental da população negra no contexto do racismo que atualmente envolve também a pandemia do coronavírus da Covid-19. É crucial apontar o racismo como determinante associado ao adoecimento e à morte precoce de jovens, mulheres e homens negros nas sociedades contemporâneas.
Marcos Antonio Batista da Silva é Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Investigador em Pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais (CES), Unversidade de Coimbra. (Projeto 725402 - POLITICS - ERC-2016-COG).