Este artigo faz parte da série Alice Comenta da autoria da equipa do Programa de Investigação Epistemologias do Sul, publicada no Alice News com cadência semanal.
Face aos problemas e dificuldades que se apresentam às mulheres e raparigas em Moçambique, porque esse é o meu foco, é muito importante mostrar que elas estão não apenas atentas, mas estão a produzir conhecimentos e a tornar possível colocar em prática diversas alternativas. Além disso tomam posição pública e fazem recomendações concretas para o presente e o futuro.
Nos vários encontros e discussões foram levados a cabo nos últimos 5 meses através das plataformas digitais mais de 300 mulheres, de várias idades e proveniências participaram em diferentes webinárias promovidas pelo Fórum Mulher. Desse processo resultaram várias reflexões que estão na base da visão do mundo e da sociedade se apresenta. A lição aprendida em colectivo é que que nada pode ficar como dantes e que o cuidado com a vida tem que estar no centro das nossas utopias, horizontes, e acção política para vivermos em sociedades de paz e justiça sexual e social.
Um mundo onde a violência não pode ter lugar
No nosso mundo a violência não pode ter lugar e, por isso, a primeira coisa que precisamos fazer é reconhecer que as mulheres e meninas foram, ao longo dos séculos, as pessoas mais vitimizadas por todos os tipos de violência, em especial, em tempos de conflito, desastres, crises e pandemias. A segunda é pedir perdão publicamente, como sociedade, por todas as vezes que nos calámos ou somos, de alguma maneira, instrumentos de violência simbólica, física, sexual, económica ou emocional contra elas. A terceira, é implementar mais políticas públicas com medidas concretas e efectivas das quais destacamos:
Um mundo onde a saúde precisa de ser bem cuidada porque é um bem de todas e todos
Percebemos também que é preciso inverter a ordem das prioridades nacionais e decidimos investir a maioria da nossa riqueza colectiva nas áreas sociais como educação, segurança social e saúde. Os desastres ambientais, a guerra e as pandemias têm-nos ensinado o quanto é importante prestar uma atenção especial à saúde sexual e reprodutiva das mulheres e das meninas assim como à sua saúde mental e emocional. Assim, é preciso ampliar o que já temos com as seguintes medidas:
Um mundo onde os trabalhos das mulheres são reconhecidos, valorizados e garantem-lhes direitos
Reconhecemos que a economia do cuidado, levada a cabo por mulheres e raparigas de todas as idades na sociedade é a maior e a mais resiliente de todas as economias. Alimentar, limpar, proteger, ensinar, produzir e processar a comida, apoiar emocionalmente as/os familiares, ensinar as crianças tudo o que precisam saber para crescerem felizes e com saúde, machambar, são alguns dos trabalhos que fazem parte da vida de quase todas as mulheres do mundo. Estes trabalhos, repetidos todos os dias com esforço e valentia, são necessários para que a vida aconteça e valha a pena ser vivida. Além destes, as mulheres fazem comércios, têm empregos, costuram, pescam, são operárias ou vendedeiras. Se as mulheres parassem de trabalhar, dentro e fora de casa, o mundo pararia. Por isso, neste novo mundo que estamos a construir são muito importantes as seguintes medidas:
Um mundo onde a cidadania de todas e todos é um exercício de partilha de autoridade e poder
Constatámos que esta pandemia, como outras crises e desastres, atinge de maneira diferente mulheres e homens. Em muitos casos, o impacto na vida das mulheres não é apenas desigual, mas é mais violento, atingindo-as de forma desproporcional assim como a todas as pessoas que dependem delas. Por isso, é absolutamente indispensável que elas estejam presentes desde o momento em que se começa a pensar sobre o que há a fazer, até ao momento de avaliar o que já se fez e se decidir o que se vai fazer a seguir. Neste novo mundo a partilha da autoridade e do poder é equitativa e decidimos pelas seguintes políticas:
Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação
Estamos seguras que é imprescindível iniciar um processo de reflexão democrática e paritária, sobre o modelo de desenvolvimento de modo a permitir, no futuro, a paz, justiça social baseada na justiça de sexual e cognitiva, na soberania alimentar, na conservação da biodiversidade, no uso dos recursos naturais para benefício de todas e todos e o combate às alterações climáticas. Para tal é preciso:
Teresa Cunha é doutorada em Sociologia pela Universidade de Coimbra. É investigadora sénior do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra onde ensina em vários Cursos de Doutoramento; co-coordena a publicação 'Oficina do CES', os ciclos do Gender Workshop. Coordena a Escola da Inverno 'Ecologias Feministas de Saberes' e o Programa de Investigação Epistemologias do Sul. É professora-adjunta da Escola Superior de Educação do Instituto Superior Politécnico de Coimbra e investigadora associada do CODESRIA e do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique. Em 2017, foi agraciada com a Ordem de Timor-Leste pelo Presidente da República Democrática de Timor-Leste. Os seus interesses de investigação são feminismos e pós-colonialismos; outras economias e economias feministas mulheres; transição pós-bélica, paz e memorias; direitos humanos das mulheres no espaço do Índico. Tem publicados vários livros e artigos científicos em diversos países e línguas dos quais se destacam: Women InPower Women. Outras Economias criadas e lideradas por mulheres do sul não-imperial; Never Trust Sindarela. Feminismos, Pós-colonialismos, Moçambique e Timor- Leste; Ensaios pela Democracia. Justiça, dignidade e bem-viver; Elas no Sul e no Norte; Vozes das Mulheres de Timor; Timor-Leste: Crónica da Observação da Coragem; Feto Timor Nain Hitu - Sete Mulheres de Timor»; Andar Por Outros Caminhos e Raízes da ParticipAcção.