As consequências do passado escravista e colonial do Brasil não podem ser omitidas quando se trata das desigualdades sociais e raciais no país, que estão associadas à manutenção de um sistema político e educacional pouco democrático que reforçam as intensas desigualdades. Portanto, devido à seletividade persistente do sistema educacional brasileiro justifica-se a adoção e manutenção de políticas de ação afirmativa, principalmente no ensino superior no país (Lei nº 12.711/2012), e no campo do trabalho (Lei 12.990/2014).
A introdução de tais políticas (do Estado ou do setor privado) visando o aumento da presença de grupos racializados (negros, indígenas), entre outros grupos sociais, sub-representados em esferas da vida social, buscam promover a equidade racial, e corrigir os efeitos presentes do racismo estrutural. Iniciativas do Movimento Negro brasileiro continuam atuantes por meio da luta e de ações antirracistas no país, como temos acompanhado por meio da Comissão de juristas criada pela Câmara dos Deputados, que por meio de audiências tem discutido política de cotas e ações afirmativas na educação e o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira (Lei 10.639/03). Estas ações tem sido acompanhadas por vários setores da sociedade brasileira, entre outras, pela
(Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as, Fundação Perseu Abramo).
Fonte: Lutas negras imagem Vinícius Carvalho: BAOBÁ - Fundo para Equidade Racial
Outro exemplo, refere-se ao Programa de Ações Afirmativas da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) que por meio da Resolução Consuni/Unilab nº 40, de 2021, aprova a instituição e regulamentação do Programa de Ações Afirmativas da Unilab, com a finalidade de promover o ingresso e a permanência de indígenas, negros, quilombolas, e de comunidades “ciganas” (população Romani), povos e comunidades tradicionais, refugiados, pessoas com deficiência, pessoas com identidades trans, além de pessoas em situação de privação de liberdade ou egressas do sistema prisional.
Na sociedade brasileira, de um lado, há ações antirracistas em prol de populações racializadas, principalmente da população negra. De outro, nota-se a extensa e periódica divulgação de indicadores socioeconômicos, sob responsabilidade de várias instituições, que mostra que grandes diferenciais raciais marcam praticamente todos os campos da vida social brasileira. Entende-se que a vida acadêmica também espelha as dinâmicas de desigualdades e do racismo que movimentam a formação histórico-social brasileira, agravadas ainda mais pelo contexto da pandemia da Covid-19.
Por exemplo, estudos do Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial, ou AFRO CEBRAP acerca das desigualdades raciais e a pandemia da Covid-19 têm contribuído para a compreensão dos efeitos da pandemia que envolve a população negra no Brasil, por meio de análises e divulgação de informações sobre desigualdades raciais antes e após a pandemia, como pudemos observar no estudo de Márica Lima; Janciane Milanezi e colaboradores, de 2020, intitulado Desigualdades Raciais e Covid-19: o que a pandemia encontra no Brasil? Além de outros trabalhos sobre desigualdades raciais: Covid-19 e saúde, educação, sistema prisional, comunidades quilombolas, gênero, mercado de trabalho, mídia, entre outros.
De modo geral, a população negra no Brasil frequenta a escola pública desde a educação básica e enfrenta barreiras derivadas, principalmente do racismo estrutural, no âmbito escolar e fora dele. Além da grande maioria de jovens negros/as ter que conciliar trabalho e estudos, enfrentando barreiras geográficas, onde percorrem grandes distâncias entre a residência, o local de trabalho, e as instituições educacionais, com transportes públicos, com raras exceções precários.
Ao detalharmos um pouco mais sobre o contexto da pandemia da Covid-19 que assolou de forma globalizada as sociedades contemporâneas, localizamos o estudo As desigualdades educacionais e a covid-19 (Anna Carolina Venturini et al, 2020) que mostra dados acerca das desigualdades de acesso aos recursos necessários, em especial, no que tange ao ensino à distância, recurso muito utilizado no contexto da pandemia, considerando as categorias cor/raça, classe, religião, tais como: computadores, internet, espaço propício ao estudo em casa, entre outros. Este trabalho, mostra ainda as desigualdades existentes no campo educacional que envolvem o contexto da pandemia e os estudantes na sociedade brasileira e seus desdobramentos durante o período vigente. Cita-se, entre outros exemplos, que a pandemia fez com que a internet fosse o principal meio de estudo e de disponibilização de materiais didáticos e aulas.
No entanto, o acesso à internet por meio de computador é bastante desigual. O estudo destaca que [...]. A rede pública de ensino é responsável pela maioria das matrículas nas etapas de alfabetização (78%), ensino fundamental (83%) e ensino médio (88%), nas quais a maior parte dos matriculados é de pretos e pardos. [...]. Há expressivas desigualdades raciais – no ensino fundamental, 76% dos pardos e 75% dos pretos não têm acesso a computador com internet[...], assim como disparidades regionais – nas regiões Norte e Nordeste essas proporções são superiores a 80%. Compartilha-se das considerações de Anna Carolina Venturini e colaboradores que os desdobramentos da pandemia da Covid-19 numa sociedade estruturada pelo racismo penaliza grupos vulneráveis, especialmente entre pessoas negras.
Outro ponto por nós destacado está relacionado a importância da introdução e as práticas pedagógicas que envolvem o ensino da História e Cultura Afro-brasileira (Lei nº 10.639/03). Apreende-se que a Lei é fundamental para garantir uma ressignificação e valorização cultural das matrizes africanas que formam a diversidade cultural brasileira e principalmente no combate ao racismo. No entanto, muitas vezes, ainda é aplicada de maneira tímida em algumas instituições educacionais no país. É crucial entender que esta política pública educacional propícia a revisão de programas políticos-pedagógicos e currículos quanto à diversidade cultural que se apresenta no Brasil no combate ao racismo estrutural.
Nesta direção, as considerações de autores, como por exemplo, Marcos Silva e Danielle Araújo, por meio de análise sociopolítica das disputas, resistências e silenciamentos no que tange a implementação da Lei 10.639/03 e suas diretrizes nos currículos dos cursos de licenciatura em História de universidades públicas no Brasil, nos ajudam a compreender que a implementação da Lei tem deixado evidente que os currículos são espaços em disputas, tensionamentos e silenciamentos em relação às narrativas da população negra brasileira e africana.
Apesar de lacunas de currículos universitários, principalmente com componentes curriculares obrigatórios sobre a temática étnico-racial, é fundamental a criação de estratégias de rompimento com o silêncio instaurado e do monitoramento da aplicabilidade da Lei. Não podemos perder nossa capacidade de pensar criticamente e de lutar por uma ordem social menos desigual que implica enfrentamento, resistência, além de um comprometimento ético/político e um ativismo (social, acadêmico) como ferramentas para a superação do racismo nas sociedades contemporâneas. Nesta direção, observa-se o movimento e ações antirracistas desenvolvidas por coletivos negros (docentes, discentes) em universidades brasileiras, que têm proposto narrativas e questionamentos acerca da produção e disseminação de conhecimento eurocêntrico, de monitoramentos sobre o ingresso e permanência na universidade, em prol de uma educação antirracista, legado consolidado por lutas constantes do Movimento Negro no Brasil.
Marcos Antonio Batista da Silva - Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Investigador em pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra (Projeto 725402 - POLITICS - ERC-2016-COG).