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Reflexão
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Anti-Capitalismo
Anti-Colonialismo
Congresso de Pesquisadores/as Negros/as: resistência e enfrentamento
AN Original
2019-03-06
Por Marcos Antonio Batista da Silva

A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) é uma Associação civil, tendo por finalidade o ensino, a pesquisa e extensão acadêmico-científica sobre temas de interesse da população negra brasileira. A ABPN tem como proposta congregar pesquisadores/as negros/as brasileiros/as, que trabalham com a temática racial (não restringindo a participação de pesquisadores/as não-negros/as), com o objetivo principal de congregar e fortalecer laços entre pesquisadores/as que tratem o tema, direta ou indiretamente, ou se identifiquem com os problemas que afetam a população negra e, principalmente, estejam interessados em seu equacionamento, entre outros objetivos.
Vale destacar que a Associação disponibliza espaço para todos os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs), estes Núcleos fomentam uma rede de articulação nacional composta por instituições de educação superior que atuam no campo do ensino, pesquisa e extensão, estimulando, entre outras, a reflexão sobre desigualdades étnico-raciais e políticas de promoção da igualdade.

Foto do autor: ato de repúdio a atos racistas durante o Congresso
A ABPN tem organizado os Congressos Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as (Copenes), desde o início da década de 2000. Em 2018, participei pela primeira vez do X Copene, intitulado “(Re) Existência Intelectual Negra e Ancestral: 18 anos de enfrentamento”, ocorrido na Universidade de Uberlândia, estado de Minas Gerais, Brasil. O Congresso constituiu-se enquanto espaço de divulgação, circulação e promoção da produção científica dos/as pesquisadores/as negros/as e de estudiosos/as das temáticas vinculadas à população negra, sob a perspectiva do diálogo entre os povos africanos e da Diáspora, com vistas aos debates e reflexões acerca da intelectualidade negra nos diferentes campos e áreas do conhecimento científico e do saber, sob a perspectiva da resistência, do enfrentamento e do combate às diversas formas de racismo, em particular,  a segregação dos negros e negras nos espaços sociais e na produção acadêmica.

O X Copene teve sua programação estruturada a partir de eixos temáticos, a saber: Educação para as relações étnico-raciais; História da África e das Diásporas Africanas; Saúde da população negra. Negritudes e africanidades; Tecnologia, africanidades e inovação: conhecimento científico e saberes com protagonismo Negro; Pensamento negro, intelectuais africanos/as e da Diáspora; Identidade de gênero e feminismos negro; Literaturas africanas/afro-brasileira e linguagens descoloniais; Políticas públicas e ações afirmativas; Movimentos negros e movimentos sociais; Epistemologias e metodologias afrocentradas; Cultura, arte, memória, patrimônio afro-brasileiro e identidade negra; Meio ambiente e comunidades; Povos tradicionais de matrizes africanas; Empreendedorismo negro - trabalho desenvolvimento; Justiça, controle social e aplicação material do direito; Mídia e negritude; Juventude negra; Gestão pública e políticas afirmativas. Além de contar com diversas atividades (conferências, mesas redondas, programação cultural, minicursos, sessões temáticas, lançamentos de livros, oficinas, sessão de pôster, jornadas de iniciação científica), entre outras. Merece destaque as discussões, a saber: a implementação da a lei 10.639/2003 e suas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (A lei  completou 16 anos desde a sua promulgação, porém, ainda é motivo de discussão enquanto sua aplicabilidade); as comissões da veracidade da autodeclaração racial como mecanismo de proteção das políticas públicas de ação afirmativa, com recorte racial; as religiões e religiosidades afro-brasileiras; as comunidades quilombolas; o racismo institucional;  as políticas de ação afirmativa; o debate sobre raça, gênero, classe.

Vale dizer que, embora, dezenas de trabalhos fizessem menção ao currículo educacional no contexto racial, apenas parte deles, abarcaram a discussão da descolonização dos currículos, em particular no contexto universitário. Observamos, também, uma lacuna de trabalhos que abordassem os Coletivos negros universitários, bem como o tema da internalização da Ciência em conexão como o contexto racial. Mas, notamos um diálogo alargado com o contexto latino-americano. No que se refere ao contexto português, observamos que ocorreu um a Mesa redonda2  intitulada “Racismos e antirracismos no Brasil e em Portugal”, com as seguintes comunicações: Relato de experiência: vivências além-mar no contexto étnico-racial (Marcos Silva/CES); Racismos e antirracismos no Brasil e em Portugal (Marina Mello/Unifesp); Racismo, educação e políticas de migração em Portugal (Renisia Filice /UnB).

O Congresso incluiu ações, movimentos e políticas adotadas ou desenvolvidas para se opor ao racismo, porém, ocorreram atitudes racistas durante o evento (pichação racista em banheiro do campus universitário), como noticiado na mídia (portal3  g1). Nesta direção, a universidade; a comunidade acadêmica e público presente, solidarizaram-se e somaram forças à toda população atingida, isto é, denunciaram o racismo, e repudiaram não apenas o fato aqui tratado, mas quaisquer formas de discriminação, seja ela por cor/raça, condição socioeconômica, gênero, orientação sexual, credo religioso. Contudo, no ano de 2018, o Copene chegou a sua decima edição com uma caminhada repleta de conhecimentos e trocas enriquecedoras, que contou com aproximadamente 4.000 inscritos. A luta continua!


  2). Ver: https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=539
  3). https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/noticia/2018/10/17/frase-racista-e-pichada-no-banheiro-da-ufu-durante-congresso-brasileiro-de-pesquisadores-negros-em-uberlandia.ghtml


Marcos Antonio Batista da Silva é Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Investigador em pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociai (CES),Universidade de Coimbra, Portugal, onde integra o projeto Politics “A política de antirracismo na Europa e na América Latina: produção de conhecimento, decisão política e lutas coletivas. Financiamento: European Research Council.