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Algumas notas sobre a resistência da educação no Brasil
AN Original
2019-05-23
Por Erick Morris

A Educação Resiste -  @amsnu.com.br

Não é à toa que as principais mobilizações de resistência ao governo protofascista brasileiro surjam nas universidades e na educação em geral, como no último dia 15 de maio (#15M) em que milhões de pessoas foram às ruas em mais de cem cidades no país contra as políticas do Ministério da Educação (MEC) e contra Bolsonaro, no chamado #TsunamiDaEducação. A educação no Brasil está sob ataque nunca antes visto. O desgoverno de Bolsonaro colocou-a como inimigo número um da sua gestão, com pedidos oficiais para que fossem filmadas atividades dentro das escolas, ataques diretos às professoras, cortes radicais nas verbas do MEC, estímulo ao projeto de lei “Escola sem partido”, que representa uma perseguição a quem pensa diferente, inclusive com a retirada de filosofia e sociologia do ensino médio agora pretendida também para o ensino superior, e das variações discursivas contra o imaginário “marxismo cultural”, que o filósofo-guru do presidente, Olavo de Carvalho, diz existir em todos os lugares de ensino e contra o qual prega a sua guerra cultural. Na mesma toada, existe uma grande campanha da família presidencial e de seus seguidores contra Paulo Freire, como se todos os problemas sociais e políticos existissem a partir da sua suposta influência na educação brasileira.

O momento atual é de unidade das forças progressistas e democráticas contra os ataques desse projeto ultraliberal e autoritário, que ganhou as eleições sem especificar que programa de governo implementaria, pois baseava-se num sentimento difuso anti-PT e ocorrera na esteira do golpe parlamentar-midiático-judiciário de 2016 que derrubou Dilma, na condenação sem provas de Lula e na sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença, e num uso ilegal e massivo das redes sociais com fakenews. As consequências têm sido catastróficas, desde a desumana reforma da previdência, a desregulamentação das proteções ambientais, a venda irrestrita do patrimônio público, a subserviência vergonhosa aos Estados Unidos e ao desmonte da pesquisa no país. Lutar pela educação e contra este governo não está relacionado a posicionar-se em favor do partido “a” ou “b”, mas sim com a defesa de um patrimônio construído ao longo de décadas pelo povo brasileiro e que garante uma série de direitos, que deveriam ser ampliados e não recortados.

Projeto de educação no Brasil
A educação no Brasil nunca foi prioridade política, ou melhor dizendo, uma boa educação pública nunca esteve na ordem do dia dos governos, com algumas variações de discurso e ações de maior ou menor impacto midiático. O grande projeto sempre foi uma educação precária e de formação de mão de obra não muito pensante, mesmo nos momentos de maior expansão de universidades, da educação pública e da educação técnica.

O processo de redemocratização da nossa sociedade nos anos 1980 também implicou uma expansão da educação, que passou a ser obrigatória. Vem desse processo um discurso de que “antes tínhamos uma boa educação pública, não o caos atual”. É importante lembrar que a nossa educação pública era para poucos, restrita a setores médios da sociedade, num tempo em que votar era proibido para analfabetxs, algo que simboliza bem a relação da política e a educação ao longo da nossa história.

De 2003 a 2016 tivemos um processo mais acentuado de expansão da nossa educação pública, com a interiorização da universidade pública, ampliação do número de vagas e diversificação do público, com a adoção de políticas afirmativas e de apoio à permanência e criação de dezenas de Institutos Federais Técnicos. É inegável que os governos do PT frearam uma política de desmonte da universidade pública que o país vivia desde o início dos anos 1990, com os sucessivos governos neoliberais e suas respectivas crises econômicas, de Collor a FHC. No governo Lula foram retomados investimentos em pesquisa e na assistência estudantil, ampliadas bolsas de estudo e algumas medidas, tímidas, para descentralizar o orçamento científico do eixo Rio-São Paulo.

É importante destacar que um dos maiores investimentos dos governos Lula e Dilma na criação de vagas no Ensino Superior foi nas instituições privadas, via FIES – Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior, que chegou a financiar um quarto dos estudantes matriculados nas instituições privadas e alcançou aproximadamente 15% do orçamento do MEC em 2015. Esse subsídio público gerou uma proliferação de universidades/faculdades privadas de qualidade duvidosa, as chamadas jocosamente de “uni-esquinas”, verdadeiras instituições caça niqueis, que serviram para que parte considerável da força de trabalho alcançasse os novos pré-requisitos do mercado e, sobretudo, para criar megaempresários da educação.

No desgoverno Bolsonaro a meta é privatizar universidades e direcionar a pesquisa e o ensino para áreas ligadas ao mercado. Um dos argumentos dados pelo ministro é que o Brasil tem “muitos doutores”, sendo que de acordo com dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nossa proporção de pesquisadores na população é quase a metade da média mundial. Concomitante aos cortes ocorreu um aumento no cadastramento de faculdades privadas no MEC. Detalhe curioso: a vice-presidente da Associação Nacional de Universidades Privadas é a Elizabeth Guedes, irmã do Ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor da privatização do patrimônio público brasileiro. Outra medida que se cogita é a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, que parece encontrar respaldo mesmo em governadores do chamado campo progressista.

#15M em Salvador -  @Luana Vilutis

A educação sempre mobilizada
Profissionais da educação sempre estiveram mobilizadas por uma educação pública e de qualidade, independente do governo de ocasião e de suas cores partidárias. Claro que algumas entidades tomam partido de governos específicos e isso faz parte do jogo democrático interno das instituições e do país. Há poucos anos acompanhei greves de professoras em São Paulo, contra o governo estadual de Alckmin (PSDB) que tratava as professoras como problema da polícia, reprimindo violentamente o direito de manifestação, como também contra a prefeitura de Haddad (PT), que se recusou a dialogar com as professoras em greve. Menciono esses dois porque foram candidatos à presidência na última eleição pelos partidos que governaram o país de 1995 a 2016, enfatizando que atuar na educação no Brasil tem sido sempre um grande desafio.

As ocupações das milhares de escolas secundaristas e das dezenas de universidades por estudantes em 2016 conseguiram reverter planos de redução de salas de aula em São Paulo, cortes no orçamento federal de educação e manifestar uma posição política contundente contra o golpe e por uma sociedade democrática e participativa. Essas mobilizações são um grande ato pedagógico e formativo, inclusive para as próprias relações dentro dos espaços educativos.

Não é de hoje que a educação brasileira é maltratada, mas está atingindo níveis intoleráveis e a mobilização por uma educação pública e de qualidade é mais importante do que nunca, mas também é preciso ver por onde erramos para direcionar nossas energias na construção de uma sociedade mais democrática socialmente e cognitivamente.  Essa luta passa pela disputa das ruas e não pode ser restrita à profissionais do setor, tem de ser de todxs, pois é pelo país e, como diria Paulo Freire, “a educação não transforma o mundo. A educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Por uma Universidade Pública, Gratuita, Democrática, Laica, Popular e de Qualidade para Todxs! #30M Segundo Ato pela Educação  #14J Greve Geral Contra a Reforma da Previdência