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Reflexão
Original
Anti-Colonialismo
Contributos, subjetividades e nuances na investigação
AN Original - DeOthering
2018-12-06
Por Rita Santos

Este artigo é parte de uma série de publicações de autoria da equipa de investigação do projeto DeOthering, publicado no Alice News com cadência mensal.

Foto @Júlia Garraio

Nos passados dias 30 de outubro e 16 de novembro de 2018, realizaram-se as duas reuniões de kick-off do projeto (De)Othering, que contaram com a participação da equipa e das e dos consultores do projeto, Cristina DeMaria, Dubravka Zarkov, Inês Amaral, Joana Gorjão Henriques, Lene Hansen, Martina Tazzioli, Monish Bhatia. De seguida, sintetizamos algumas das discussões tidas ao longo destes dois dias de encontro.

Ao estudar as representações mediáticas e políticas sobre migrantes, refugiados e “outros internos” (cidadãos europeus ou residentes com um background migrante/refugiado e outros grupos marginalizados) no contexto das várias crises políticas que afetaram a União Europeia nos últimos dez anos, a partir de Portugal e de eventos ícone em Itália, França, Reino Unido e Alemanha, partimos do pressuposto de que as representações textuais e visuais são cruciais para articular questões e problemas de segurança.

Ao escolher Portugal como caso central da nossa análise, a nossa hipótese é a de que apesar de não ser um destino usual de migração e refugiados, como o são Itália e Alemanha, nem um alvo preferencial de ataques terroristas, como a França ou o Reino Unido, ocupando, assim, um estatuto periférico em termos de processos de securitização, estas dinâmicas não lhe são alheias. Por eventos ícone, entendemos acontecimentos marcantes que tiveram lugar fora ou dentro dos respetivos estados e que se tornaram reconhecidos em mais do que uma comunidade política, por exemplo numa região (ie. na UE), se não a nível global. São exemplos recentes deste tipo de eventos a queda das torres do World Trade Center, a 11 de Setembro de 2011, e, a morte de Aylan Kurdi, no Verão de 2015. Por outras palavras, trata-se de eventos que devido à sua cobertura e circulação nacional e internacional passam a integrar a memória coletiva de um determinado grupo e região.

Foto @Júlia Garraio

Na construção desta memória coletiva, as representações, mediáticas e políticas, assumem um papel central. De facto, texto e imagens (ainda que o façam de forma distinta, dado que as imagens tendem a ser polissémicas e, por essa razão, mais complicadas de ler e interpretar, como alertou Lene Hansen) podem ajudar a engendrar ou apoiar crises inter/nacionais, gerar apoio para determinadas políticas interna e internacionalmente e prejudicar a reputação de países ou grupos de países. No atual contexto de transmedia - de ubiquidade e hibridez, onde media convencionais e online coexistem com agências específicas e complementares e os públicos navegam os distintos media em diferentes situações, como frisou Inês Amaral, - a opção por analisar os três ‘grupos’ prende-se com a hipótese de partida de que estes  são, muitas vezes, representados através de narrativas semelhantes, como o género épico, assinalado por Cristina Demaria, e assentes em construções genderizadas e racializadas, ainda que ancorados, por um lado, em discursos mais amplos1 de securitização, tendencialmente mais efémeros e associados a eventos específicos, neste caso a Guerra contra o terrorismo, e em discursos de re/produção da alteridade de natureza mais sistémica, “continuuns”, como lhes chamou Monish Bhatia. O género épico corresponde a um regime de enunciação que visa criar um ethos comum, de solidariedade ou de medo, ao retratar acontecimentos através da contraposição entre figuras heroicas e antiheroicas.  O emprego de analogias bélicas na representação mediática e política da crise dos refugiados em 2015-2016, onde a chegada de refugiados foi retratada algumas vezes como “uma invasão”, constitui um exemplo deste tipo de género narrativo. 

Não raras vezes as representações que visam as populações racializadas, como os negros e as negras e as pessoas ciganas em Portugal, são exemplo deste tipo de discursos de natureza sistémica, como frisou Joana Gorjão Henriques, podendo contribuir para a criação de uma “cultura de suspeita” face a estas pessoas, nas palavras de Monish Bhatia, ou, até de “pânico moral”, ou seja, a representação estilizada e estereotipada de algum tipo de condição, pessoa ou grupo de pessoas e a sua instrumentalização enquanto bode expiatório para a maioria dos atuais males que uma dada sociedade enfrenta através da construção desse grupo enquanto responsável pela insegurança ou ameaça percebida por  “nós”.

Além das representações explicitamente estereotipadas e negativas, é importante analisar representações “positivas” sobre estes grupos, incluindo as que se inscrevem em discursos de natureza humanitária ou solidária, como chamou a atenção Dubravka Zarkov, alertando para a forma como em outros contextos de crise as representações de vitimação, nomeadamente feminina, serviram os propósitos de projetos políticos hegemónicos, em particular intervenções militares. Lene Hansen, por sua vez, sublinhou a importância de nos mantermos alerta e disponíveis para leituras mais complexas e com mais nuances sobre as representações destes grupos, incluindo as de vitimação.


1 Além das representações explicitamente estereotipadas e negativas, é importante analisar representações “positivas” sobre estes grupos, incluindo as que se inscrevem em discursos de natureza humanitária ou solidária, como chamou a atenção Dubravka Zarkov, alertando para a forma como em outros contextos de crise as representações de vitimação, nomeadamente feminina, serviram os propósitos de projetos políticos hegemónicos, em particular intervenções militares. Lene Hansen, por sua vez, sublinhou a importância de nos mantermos alerta e disponíveis para leituras mais complexas e com mais nuances sobre as representações destes grupos, incluindo as de vitimação.


Rita Santos é investigadora júnior do CES. Os seus interesses de investigação incluem: feminismos e RI/Estudos de Segurança; violência, género e armas de fogo; a agenda internacional sobre Mulheres, Paz e Segurança; e construções de raça e género na "crise de refugiados" 2015-2016. É doutoranda de Política Internacional e Resolução de Conflitos (CES/FEUC).