1. Não deixa de ser fascinante percorrer a lista de subscritores do manifesto pela «objeção de consciência» em relação à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e nela encontrar nomes que não causam a menor surpresa (Cavaco Silva, Helena Matos, Isabel Jonet ou José Miguel Júdice), outros que geram, apesar de tudo, algum espanto (António Barreto, Manuela Ferreira Leite, Pedro Lomba ou Sérgio Sousa Pinto) e outros ainda que suscitam grande perplexidade, atendendo sobretudo ao que está em causa (Adriano Moreira, António Araújo, David Justino, Graça Franco, Joaquim Azevedo ou Jorge Miranda).
2. É também interessante tentar mapear, através da lista de subscritores, interesses e motivações em jogo. Sendo evidente o peso do ensino privado, nomeadamente de setores que há muito se movem contra a escola pública (com os seus cheques-ensino e contratos de associação), e em particular da Universidade Católica (com os seus privilégios injustificados), há sinais das lógicas de aproximação ao Chega como derradeiro recurso para o regresso da direita ao poder e casos, em número significativo, de catolicismo ultramontano e conservadorismo bafiento. Por último, admita-se uma hipótese benigna, haverá subscritores que não terão percebido bem o que estavam realmente a assinar.
3. De facto, terão todos os signatários noção dos temas tratados e debatidos (sim, debatidos) na disciplina? Não reconhecem nestes domínios (ver tabela) uma vertente essencial da formação de crianças e jovens em sistemas educativos de sociedades plurais e democráticas? Perfilharão, todos eles, a ideia de estarmos perante «questões que dizem respeito à vida privada» e que cabem por isso ao «papel educativo dos pais», como sugeriu Manuel Braga da Cruz? Ou, pelo contrário, consideram que são matérias inerentes à convivência em comunidade e ao respeito pela diferença e pelo outro, exigindo que a disciplina não seja facultativa (como se de uma religião se tratasse)?
4. Terão alguns subscritores sido vítimas da campanha de desinformação e deturpação dos factos associados ao caso de que parte este manifesto, como a que sugere que o Ministério da Educação emitiu um despacho a «chumbar os dois alunos» que não frequentaram a disciplina, por decisão reiterada dos próprios pais? Saberão que estes mesmos pais recusaram, até hoje, todos os planos de recuperação das aprendizagens que lhes foram propostos? Terão os signatários Cavaco Silva e Passos Coelho noção de que aprovaram e promulgaram, respetivamente, um Estatuto do Aluno que estabelece, como consequência última da não frequência injustificada de qualquer aula, a reprovação?
5. Por último, saberão todos os subscritores do manifesto que o pai dos referidos alunos, Artur Mesquita Guimarães, é conhecido por ter pertencido à comissão executiva da Plataforma Resistência Nacional (atual Plataforma Renovar), contando com o apoio pro bono, no seu processo contra o Ministério da Educação, «do advogado João Pacheco de Amorim, que foi cabeça de lista por Coimbra do Chega nas legislativas e é irmão do número dois do partido, Diogo Pacheco Amorim, que substituirá André Ventura durante a campanha para as Presidenciais», e que isto anda tudo ligado, a mimetizar o que já aconteceu noutras paragens?
Conteúdo Original por Ladrões de Bicicletas