Frente a onda internacional de crescimento e sucessos dos movimentos políticos e sociais de ultradireita, é necessário se questionar se estamos às portas do surgimento de uma serie de regímenes fascistas em diversas partes do mundo.
Otto Bauer dize que o século passado "o fascismo não triunfou no momento em que a burguesia estava ameaçada pela revolução proletária, senão quando a classe trabalhadora havia sido debilitada e reduzida à defensiva", o papel do fascismo não foi suprimir a revolução socialista senão “varrer as conquistas do socialismo reformista”. Na Alemanha foram os social-democratas os que liquidaram a Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht e derrotaram aos comunistas, 15 anos antes do triunfo nazista. A república soviética da Hungria foi derrotada pela invasão do exército romeno, enviado pelo governo liberal. Na Itália as ocupações das fábricas e os conselhos de fábrica foram derrotados pelo governo liberal dois anos antes do triunfo dos fascistas.
Mas, qual é a diferença, entre os camisas pretas italianos, os camisas pardas (SA) alemães, os guardas de ferro romenos, os bandeiristas ucranianos, os da cruz flechada húngaros, os falangistas espanhóis ou os ustachis croatas, de uma parte e a ultradireita de este século?
Os protagonistas do fascismo europeu de há 90 anos professavam um odio visceral contra os judeus, que se expressou de forma extrema na Alemanha, Ucrânia, Romania e Croácia e executou o Holocausto. Agora, com a exceição do Svoboda ucraniano, o Jobbik húngaro, o Amanhecer Dourado grego, o Ku Klux Klan e grupos neonazis minoritários, a maioria da ultradireita se declara pro Israel e apoja o extermínio do povo palestino.
O antissemitismo se vê substituído pela islamofobia e em geral pela xenofobia radical, o odio aos refugiados e os racismos particulares, como o expressado contra os mexicanos entre a direita dos Estados Unidos. Porem, em quanto a outros aspetos, apesar de sua diversidade, a ultradireita do século XXI tem a tendência a parecer-se cada vez mais ao fascismo europeu dos 20 e 30. Não é uma casualidade. O fascismo é um fenómeno próprio das fases de crise do estádio imperialista do capitalismo. O imperialismo e o colonialismo não são coisa do passado. A guerra imperialista destruiu neste século a Iraque, Líbia e Síria e destrui Iémen, como forma de resolver as crises cíclicas do capitalismo; a recolonização do Medio Oriente é um fato.
Para compreender como o fascismo surgiu e surge das necessidades do capitalismo é muito importante ler o discurso de Hitler no club de industriais de Dusseldorf, o dia 27 de janeiro de 1932, com o que convenceu aos empresários de apoiar a “solução” nazista.
Hitler argumentava que a defesa da propriedade privada precisa um equivalente político na ditadura do Führer, e assim como a propriedade privada é o resultado da desigualdade económica e direitos individuais diferentes, para sua defesa se necessita a desigualdade política, la jerarquização e uma autoridade férrea. Para Milton Friedman e a escola de Chicago instaurar o neoliberalismo no Chile, não foi suficiente preparar uma elite de economistas chilenos, senão que precisaram de um Pinochet e de “Patria e Libertad”, para impor as leis do mercado. Hitler explicava que a Inglaterra não conseguiria vender suas mercadorias na India, si não fosse porque a obrigou, invadindo-lha. Se os proprietários desejavam o sucesso de suas empresas privadas, deviam apoiar o nazismo para conquistar mercados e recursos ventajosos com a guerra exterior e destruir o “bolchevismo” que atrapalhava a unidade nacional, el Volkskorper necessário para que la nação vencesse.Este discurso, sem os habituais ataques contra os judeus que caracterizavam a Hitler, se centrou no ataque ao “bolchevismo”, não só para evitar seu triunfo, senão para evitar a divisão do povo e a difusão de uma mentalidade contrária aos interesses únicos da nação. Os empresários aplaudiram entusiasmados por vários minutos. O programa hitleriano no benefício das grandes empresas alemãs se cumpriu, incluída uma onda de privatizações, e só foi detido pela derrota do nazismo.
Vilfredo Pareto, economista que os neoliberais consideram um precursor de sus ideias “libertárias”, rabiava contra as greves, inimigas do ótimo económico, e odiava ao movimento operário que tomou fábricas. Pese a que Pareto não era fascista, aclamou o ascenso de Mussolini ao poder; e os fascistas o nomearam senador vitalício. Nos primeiros anos de seu governo, Mussolini literalmente executou a política económica prescrita por Pareto, substituindo amplamente a administração estatal da empresa privada, diminuindo os impostos sobre a propriedade, favorecendo o desenvolvimento industrial, e também impondo uma educação religiosa.
Os grandes capitalistas e os expertos economistas neoliberais prefeririam não ter que ver nada com os fascistas e lhes repugna sua ideologia, mas os aclamam quando a crise chega, quando necessitam aplastar o “bolchevismo” e ir a fazer a guerra contra outros países.
O fascismo hoje, como o de há 90 anos, destrui as conquistas dos trabalhadores, e os direitos coletivos, “limpa” as universidades e escolas, promove a guerra. Quando a dominação do capital transnacional não se mantem pelas meras leis do mercado, se exerce pela violenta direta, e quando as instituições não são suficientes, recorre à mobilização massiva de uma parte da sociedade civil contra o resto.
O colonialismo se está fortalecendo. O agora chamado “extrativismo” que assola múltiplas regiões do mundo é uma expressão da fortaleza da empresa colonial existente desde há séculos e a chamada “acumulação por espoliação” não é mais que a acumulação primitiva expressada como acumulação colonial originária, em uma região trás outra.A guerra permite entrelaçar a empresa colonial, com a destruição de capitais competidores, como vimos no Iraque, na Líbia e na Síria, onde após a destruição do capital local, os territórios conquistados serão os novos mercados, zonas de investimento e fontes de terras, minerais, gás e petróleo. Assim como muitos setores progressistas calaram em frente das guerras imperialistas contra Líbia e Síria, agora não entendem que o fascismo não foi um fenómeno exclusivo dos anos 20 e 30 do século XX, senão avança de novo como “saída” à crise capitalista.
Mas, o imperialismo, o colonialismo e a guerra não são de por si o fascismo. O fascismo é um movimento de massas, baseado na classe media e nos desempregados, que se mobiliza de diversas formas, incluídas milícias paramilitares, para destruir los direitos e as organizações autónomas dos trabalhadores e propiciar a guerra, no benefício do grande capital transnacional e dos latifundiários, que na América Latina estão prontos para pôr a funcionar suas bandas armadas, como Áttila em Novecento.
A diferença de outras formas de autoritarismo, o sucesso do fascismo é garantido pela mobilização massiva da classe media, povo que ataca ao “inimigo” da nação, sejam os judeus, os comunistas, os negros, os refugiados, os homosexuais, os muçulmanos, as feministas ou os mexicanos.
Como dizia o filósofo y militante nazi Martin Heidegger, “Pode mesmo parecer que não há inimigo de modo algum. A exigência radical é então encontrar o inimigo, pô-lo em evidência ou talvez mesmo criá-lo, a fim de que tenha lugar o fazer face ao inimigo… com o objetivo da exterminação total”.
II
Segundo coincidiam os teóricos do nazismo, o estado que persegue ao inimigo não é só a instituição, uma organização estatal, senão principalmente o “ser do povo” intrinsecamente unido a seu líder (Heidegger), não o aparato mecânico estatal, mas sim o povo organizado pelo movimento nazi dirigido por seu Führer, fonte do direito (Rosenberg); assim, não é o direito o que estabelece a ordem, senão que a ordem é imposta pelo “movimento” que engendra o direito (Schmitt).
Assim, segundo Gramsci, “a sociedade civil pode muito bem manifestar uma carga de violência e opressão não inferior àquela exercida pelo Estado político, aliás bem inescrupulosa, pois suscetível de exercer-se sem obstruções, sem nem sequer ter a preocupação de manter a forma ou a pretensão da imparcialidade.”
A ideia da necessidade de atacar um inimigo era e é construída pela ultradireita com coletâneas de informação falsa para agitar o fantasma do inimigo. O grande teórico das que agora se chamam de fake news, foi o marqueteiro da Siemens e da tabacaleira Reemtsma, Hans Domizlaff, quem desde 1932 aplicou as técnicas da publicidade de mercado à esfera política.
Segundo seu livro Breviário para reis (prática psicologia de massas), “se pode crer nas mentiras mais grossuras ou, em todo caso, elas podem encontrar um campo eficaz de ação se forem empregada com descaro e mantidas com obstinação… as massas humanas não se deixam educar, mas unicamente domesticar dirigir ou anular”.
No século XXI, o papel do inimigo é assinalado na Europa e nos Estados Unidos aos migrantes, especialmente aos refugiados e aos muçulmanos “terroristas”. Na América Latina se segue sinalizando aos “comunistas”, à esquerda política, como era na época de a Doutrina da Seguridade Nacional.
Porem, cada vez mais, no Norte e na América latina, os homossexuais são o alvo predileto, a chamada “ideologia de género”, rótulo imposto à pesquisa científica sobre a homossexualidade e também aos direitos dos homossexuais e transgéneros. Isso não é novo. A homofobia foi um dos ganchos que o nazismo usou para ganhar a setores religiosos. Atacou a teoria do “terceiro sexo” de Magnus Hirschfeld e seus livros sobre a homossexualidade e sobre los travestis.
Alvo temporão dos ataques do governo nazista foi o Instituto para a Ciência Sexual, dirigido por Hirschfeld. Seu administrador Kurt Hiller foi enviado a um campo de concentração em março de 1933 e o 6 de maio seguinte o prédio sede foi ocupado e confiscados seus arquivos, fotos e biblioteca para ser queimados na tristemente famosa queima massiva de livros do 10 de maio de 1933. A fogueira mostrava las ligações da “conspiração judaica-bolchevique” com o terceiro sexo. A homofobia cumpria um papel mobilizador e na fogueira e nos campos de concentração, a aniquilação do terceiro sexo legitimava o extermínio dos comunistas, sindicalistas, judeus e ciganos, o extermínio do inimigo. O aparelho do Estado, desde seu domínio nas universidades, até suas câmaras de gás, estava enraizado no “ser do povo” dirigido por seu líder.
A ultradireita do século XXI, especialmente na América latina, redescobriu o papel da homofobia. A luta contra a “ideologia de género” justificou dizer Não à Paz na Colômbia e move milhões de pessoas e de votos desde o Brasil até os Estados Unidos, passando por Costa Rica, e cada país onde parte importante de las igrejas se presta com entusiasmo a estas manipulações do poder. A abusiva manipulação da religião pela ultradireita não se limita à homofobia. Durante mais de 100 anos se tem desenvolvido uma teologia da guerra. Assim como entre a população muçulmana a propagação do wahabismo tem fundamentado a existência de Al Quaeda e do Estado Islâmico, o “dispensacionalismo” de Cyrus Scofield se espalha como una teologia da guerra, que segura a adesão do fundamentalismo “evangélico” à ultradireita.
O Estado Islâmico afirma lutar nos últimos tempos, preparando-se para a batalha final da história sagrada, na que junto do lado deles combateram Jesus e o Mahdi. O “dispensacionalismo” vê também na guerra do Médio Oriente o antecipo do Armagedom, e considera que o apoio a Estados Unidos e Israel na guerra é parte dos planos divinos. Os fiéis esperam ser arrebatados ao céu, antes de sete anos de grandes desastres, ao final dos quais acontecerá a grande batalha do Armagedom, quando segundo eles Jesus voltará para defender a Israel.
Assim como os nazistas lutavam contra a conspiração do “Protocolo dos sábios de Sião”, a ultradireita latino-americana luta contra a conspiração do Foro de São Paulo, que quer impor o comunismo e o homossexualismo. Mas, o bolchevismo já não é uma conspiração judaica, é a fonte mesma da conspiração, enquanto Israel é o aliado principal, e os palestinos um inimigo.
Mas a ultradireita das Américas é diversa. Seus signos comuns e principais são sempre o anticomunismo e o seguimento fiel dos interesses dos Estados Unidos e das transnacionais. O fundamentalismo religioso aparece sem problemas do lado estrelas da vida dissoluta como Donald Trump o Alexander Frota.
Os suprematistas brancos de Estados Unidos já não estão de acordo entre si sobre o antissemitismo. Mas, o Klan e o neonazismo continuam existindo e atuando. A construção do muro na fronteira com México os une a todos. Mais difícil é a convivência e unidade da ultradireita europeia, dividida. Há ultradireitas anti União Europeia, e europeístas.
Além disso há uma ultradireita antissemita e mais uma islamófoba. No Israel o extermínio dos palestinos é signo distintivo do fascismo. Nos países islâmicos o wahabismo nucleia a ultradireita, enquanto a islamofobia move a extremistas hindus na Índia e até a intolerantes budistas em Mianmar e Tailândia. Todas as ultradireitas negam a categoria ser humano, são xenófobas e racistas, homofóbicas e se declaram inimigas dos direitos humanos, do direito internacional.
Não toda a ultradireita é fascista, pois são levantados diversos Bonapartes: Tanto pelos movimentos eleitorais de ultradireita, como pelos golpes militares, parlamentares ou judiciários. Leis e medidas repressivas endurecem a opressão estatal, mas o fascismo não é a simples repressão do sistema contra seus inimigos. A vitória do fascismo é uma mudança qualitativa.
Para que os regimes fascistas se estabeleçam não basta que haja fascistas, nem sequer basta que o presidente seja um fascista. Os fascistas precisam chegar a ser um movimento de massas que esmague as organizações dos trabalhadores e dos grupos étnicos e mantenha as guerras. O fascismo do século XXI está aí.
Estamos no tempo de resistir com a palavra e a mobilização.
Héctor Mondragón é assessor de organizações indígenas e camponesas da Colômbia