Ao longo das últimas semanas tenho acompanhado alguns debates na sociedade contemporânea no Peru, por conta de um projeto de investigação que integro: POLITICS. Entre outros temas em debate na sociedade peruana, citamos como exemplo, as mudanças que estão ocorrendo no contexto da educação, isto é, no mês de abril de 2019, ocorreram mudanças para a educação com igualdade de gênero no Peru.
Foto da Comissão Organizadora do Congresso. http://www.unmsm.edu.pe
O governo do país publicou o Decreto Supremo Nº 008-2019, que aprova a Política Nacional de Igualdade de Gênero, e que pode ser verificada na plataforma digital do Governo peruano. Vale mencionar que a Suprema Corte do Peru declarou, em última instância, que uma ação popular movida por grupos conservadores, contra a abordagem de gênero no currículo nacional de educação básica, é infundada em todos os seus extremos, como observamos na plataforma digital do Poder Judicial do Peru . Desde a aprovação do Currículo Nacional para a Educação Básica em 2016, o Ministério da Educação do Peru vinha sendo questionado por grupos que exigiam a retirada do currículo e o fim de sua implementação.
Outro tema em destaque refere-se ao Censo Nacional do Peru. O Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI), apresentou os resultados finais dos Censos Nacionales 2017: XII de Población, VII de Vivienda y III de Comunidades Indígenas, realizado em 2017. O Peru realizou um Censo Nacional que tem em sua coleta de informações, perguntas mais específicas relacionadas com a etnia. Por exemplo, foi perguntado considerando costumes e antepassados se a população se definia como sendo: Quechua. 2) Aimara. 3) Nativo o indígena de la amazonía. (Especifique). 4) Perteneciente o parte de otro pueblo indígena u originario (Especifique). 5) Negro, moreno, zambo, mulato / pueblo afroperuano o afrodescendiente. 6) Blanco. 7) Mestizo. 8) Otro (Especifique).
De los 23 millones 196 mil 391 habitantes de 12 y más años de edad, el 60,2% (13 millones 965 mil 254 personas) informaron autopercibirse Mestizo, el 22,3% (5 millones 176 mil 809) de origen Quechua; el 5,9% (1 millón 366 mil 931) se sienten de origen Blanco; el 3,6% (828 mil 841) Afrodescendiente y el 2,4% (548 mil 292) de origen Aimara. El Censo registró a 79 mil 266 personas que se consideran nativo o de la Amazonía; 55 mil 489 personas que se autoidentifican como Ashaninka; 37 mil 690 personas de origen Awajún; 25 mil 222 como Shipibo Konibo y 49 mil 838 personas como parte de otro Pueblo Indígena u Originario (INEI, 2018 p.214).
Todavia, de um lado, o modelo adotado pelo INEI de inclusão de pergunta sobre dados étnicos, motivou críticas. De outro, após a divulgação dos dados, vários debates e estudos estão sendo gerados, por setores do país, visando refletir e debater a importância da autoidentificação étnica nos Censos. Entendemos que isoladamente, as informações colhidas, por certo, no Censo, não favorecerem o combate às desigualdades sociais e raciais, mas, se associadas a outros dados, podem se configurar em informações importantes para novos estudos sobre as relações étnico-raciais e implementação de políticas públicas visando equidade.
Por fim menciono o Congreso - Homenaje Internacional Aníbal Quijano y la descolonialidad del poder hoy - El compromisso como un legado, realizado entre 3 e 9 de maio de 2019, na cidade Lima - Peru, organizado por la Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad Nacional Mayor de San Marcos y la Cátedra América Latina y la Colonialidad del Poder, de la Universidad Ricardo Palma. O Congresso teve várias mesas de trabalhos e contou com a presença de alguns dos intérpretes, amigos e interlocutores mais prolíficos de Aníbal Quijano: Walter Mignolo, Rita Segato, Ángel Quintero, José Bengoa, Catherine Walsh, César Germaná, Edgardo Lander, Narda Henríquez, Agustín Lao-Montes, Julio Mejía, Carolina Ortiz, Danilo Assis Climaco, entre outros grandes nomes do pensamento do continente Latino-americano.
Neste Congresso, apresentei uma comunicação intitulada “Saberes interligados por uma educação antirracista”, ancorada em aportes teóricos de autores/as contemporâneos, em especial, Aníbal Quijano (2005), Boaventura de Sousa Santos (2004), Nilma Gomes (2012-2017). Gomes apresenta como tese o papel do Movimento Negro brasileiro como educador e como tal, produtor de saberes emancipatórios, e um sistematizador de conhecimentos sobre a questão racial no Brasil. Entendemos que esse saber é capaz de subverter a teoria educacional, contruir a pedagogia das ausências e das emergências, repensando a escola, a universidade e descolonizando os currículos.
Enfatizamos que o pensamento de Aníbal Quijano inspirou inúmeros trabalhos intelectuais, abrindo e transformando linhas de pesquisa na América Latina e no mundo, nos mais diversos campos das Ciências Humanas. “A discussão sobre a raça no Brasil e nos mais variados contextos não se faz no isolamento. Antes, ela se articula às questões históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas mais amplas” (Gomes, 2012, p.729). Compreendendo a construção da ideia de raça no período colonial americano e, especialmente, latino-americano, bem como a sua imbricação no imaginário e nas relações de colonialidade dele decorrentes até os dias atuais, Quijano (2005, p. 227) frisa que:
Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo com a ideia de raça, uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade específica: o eurocentrismo.
De acordo com Gomes (2012), Aníbal Quijano nos aguça a compreender melhor a operacionalidade da raça na configuração dos padrões de dominação e de poder-saber produzidos no processo colonial e reconfigurados na globalização capitalista. Quijano apresenta uma dimensão mais profunda da invenção da raça, ele traz para o contexto latino-americano e problematiza que, antes mesmo de se consolidar como um conceito da ciência, a raça foi sendo formulada como uma ideia, uma representação social e, portanto, uma forma de classificação social imbricada nas estratégias de poder colonial. Esta noção foi se tornando um instrumento de poder econômico, político, cultural, epistemológico e até pedagógico. “Se a lógica do pensamento abissal é tornar os outros inexistentes e inferiores, a lógica desses outros é conquistar o seu lugar de existência. Esta pode ser considerada como uma das características do movimento negro em relação à questão étnico-racial no Brasil” (Gomes, 2012, p.723).
A educação como um projeto emancipatório possível e o Movimento Negro um interlocutor entre os saberes da população negra e os conhecimentos educacionais possibilitam tencionar a estrutura da escola, da universidade e da ciência historicamente posta (Silva, 2018). Saberes que estão interligados de maneira dinâmica, apesar de suas especificidades: identitários (as políticas de ações afirmativas, recoloca o debate sobre raça no Brasil e a ressignifica). Políticos (o Estado, sobretudo o Ministério da Educação, passam a tematizar sobre as desigualdades étnico-raciais). Estéticos-corpóreos (estética da arte, estética como forma de sentir o mundo, como forma de viver o corpo).(Gomes,2017).
Referências
Marcos Antonio Batista da Silva
Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Investigador em pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociai (CES), Universidade de Coimbra, Portugal, onde integra o projeto Politics. Este trabalho resulta do projeto de investigação POLITICS - A política de antirracismo na Europa e na América Latina: produção de conhecimento, decisão política e lutas coletivas. Este projeto recebe financiamento do Conselho Europeu de Investigação (ERC) no âmbito do Programa-Quadro de Investigação e Inovação da União Europeia, Horizonte 2020 (acordo de subvenção nº ERC-2016-COG-725402).